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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Celtis australis L. - Lódão Bastardo

Divisão: Angiospérmica
Família: Canabiaceae (ex Ulmaceae)
Ordem: Rosales
Género: Celtis
Espécie: Celtis Australis L.


Na mitologia Grega, o povo lotophagi da ilha de Djerba, alimentava-se de flores de lótus e seus frutos. Acredita-se agora que essas flores e frutos poderão ser dos Celtis. Estas bagas e flores têm um efeito narcótico e entorpecedor.

Mas não é por isto que escrevo. Não é por esta lenda mítica. Escrevo porque é com a madeira do Celtis Australis, que se fabricam os sticks de hóquei. Caracterizada pela sua flexibilidade, leveza e resistência, algo que os desportistas procuram para facilitar o seu desempenho.

Pratiquei Hóquei em Patins durante muito tempo. 25 anos talvez.
Não digo que não tenho saudades do jogo. Tenho. Mas não tenho saudades nenhumas da prática desportiva, que eleva tanto do que é mau no Homem e na sua sociedade. Não tenho saudades de vitórias desonestas, de indisciplina, do individualismo em detrimento do colectivo, da arrogância, do desrespeito pelo atleta honesto e trabalhador. Não tenho saudades do vencer a todo o custo. Também não tenho saudades dos que cedem ao medo e não têm coragem. Não tenho saudades dos que não olham para si, na perspectiva de reconhecer os seus erros. Nem tenho saudades dos que desvalorizam os que estudam Desporto. Não tenho saudades daqueles que se desculpam pelo erro dos outros. Não tenho saudades dos que julgam que não erram e apontam o dedo ao companheiro culpando-o. Não tenho saudades da falta de solidariedade. Não tenho saudades de líderes fracos que cedem aos seus valores, em detrimento daquilo que os atletas mais fortes e influentes, pensam ou querem. Não tenho saudades dos preguiçosos e arrogantes que gozam os que trabalham. Não tenho saudades daqueles que não premeiam quem trabalha. Não tenho saudades da falta de reconhecimento do esforço. Não sinto falta, tão pouco, das atrocidades que fazemos aos nossos jovens em termos da sua formação desportiva, pessoal e social. Não tenho saudades do desporto como uma semente de valores que contrariam a solidariedade, a disciplina, o respeito, a saúde, a amizade, a igualdade, a humildade, o amor e a arte. Estou cansado do desporto que selecciona, elimina, prescinde, esquece, maltrata, concede mérito aos vaidosos, preguiçosos, egoístas e desonestos. E não gosto do desporto que se mistura com dinheiro e que combina resultados.

Se está no Desporto, não se sinta ofendido. Se é treinador poderá não ser o visado. Lamento se estou a ser injusto consigo, mas se se ofende reconhecerá que o Desporto é assim: o que se faz ao penalti é inteligente, o que faz teatro para carregar o adversário com amarelo é audaz, o que se mantém a jogar honestamente é burro. O que é mais fraco, só joga nos treinos. O que é mais forte pode nem treinar, mas no fim-de-semana joga. O atleta comporta-se mal fora do campo, mas dentro de campo é exemplar. Se o jogador agride outro, perdeu a cabeça, se é agredido é vítima de uma violência inqualificável. A equipa perde por causa do árbitro. Perde outra vez, por causa do árbitro e perde a terceira e a culpa é do árbitro, embora o árbitro seja outro e a equipa e treinador o mesmo. Quem tem talento merece tudo, quem não tem jeito que vá plantar batatas. E não tenho saudades que gritem aos meus ouvidos e falem de mansinho com outro pelo mesmo erro. 

Se o Desporto é só isto? Não. Tem coisas boas. Mas este tipo de vivência desportiva afasta-me muito mais do que me aproxima. Fico apenas a gostar do jogo, com saudades dos amigos, dos treinadores competentes e corajosos. Dos bons momentos que o desporto me ofereceu. Da saúde que me permitiu alcançar. Das viagens. Mas sem dúvida, sem dúvida nenhuma que o Desporto é o espelho desta nossa pobre e injusta sociedade.

Por agora... bem por agora preferia muito mais ter um bom Celtis aqui na minha varanda.

Fica a carta... que é tão antiga... mas que ainda não conseguimos alcançar. E vamos no caminho contrário.

Esta carta escrita em Janeiro de 1976, na Scholastic Coach (Larry Brooks, Nova Iorque) e traduzida por Jorge Araújo, Jorge Vieira e Olímpio Coelho e citada integralmente no  livro de Jorge Castelo (2002) O Exercício de Treino Desportivo (Edições FMH) deve estar sempre presente na mente dos treinadorese pais. Já há muito que gosto de partilhá-la ocasionalmente em conversas informais sobre Desporto para jovens. Por outro lado a obesidade infantil tem vindo a aumentar, sobretudo no sexo feminino. Como continua actual, como continua a ser necessária partilho o texto aqui, na esperança que o Desporto possa ser praticado por todas as crianças em harmonia e paz... e que elas conservem sempre o prazer pela Actividade Física essa é a primeira missão dos pais e treinadores. O resto... bem o resto... acaba por acontecer, ou não, com toda a naturalidade. Para começar são apenas crianças.
Caro Treinador:
Certamente já não se lembra de mim. Passaram apenas alguns anos. Eu era um daqueles que todas as épocas andavam à sua volta para entrar na equipa, sem ter a menor ideia de como se joga. Pense bem e veja se consegue recordar-se, eu era aquele rapaz alto e magricela, um pouco mais fraco que os restantes.
Ainda não se lembra de mim? Pois olhe que eu recordo-me perfeitamente de si! Eu tinha medo quando o ouvia a bater as palmas e a gritar "força", "depressa". Lembro-me como costumava rir-se de mim e dos outros como eu, quando falhava um corte ou me ultrapassavam no um contra um.
O Senhor nunca me convocou para um jogo. Apenas às vezes, quando estava a conversar com os melhores da equipa à volta do quadro para ensinar a táctica, eu tinha uma oportunidade de jogar um pouco com os outros tão fracos como eu.
No entanto, vou-lhe revelar um segredo: apesar de tudo isso, eu tinha uma grande admiração pelo senhor. Aliás, todos tínhamos.
Mas agora que sou um pouco mais velho e tenho os olhos mais abertos, queria também dizer-lhe que o Senhor estragou tudo! Desde esse ano nunca mais quis jogar futebol. O senhor conseguiu convencer-me que eu não era capaz nem era suficientemente "forte" para jogar.
Lembro-me que no primeiro dia de treino, perguntou quem queria jogar na posição de defesa. Como eu sempre quis ser defesa, levantei naturalmente o braço. Porém, na primeira situação em que tentei agarrar um avançado, quase fui "atropelado".
O Senhor riu-se. Riu-se muito! Disse que era melhor eu experimentar qualquer outra posição e nunca mais tentar fazer um corte. Toda a gente se riu. O senhor tinha mesmo muita graça.
Numa outra vez, num treino, falhei uma intercepção após uma boa finta do adversário e caí "ao comprido" no chão. "Vá lá! Pareces uma menina!" Disse para mim. Apeteceu dizer-lhe, com toda a minha raiva, de quanto eu gostava de ter ganho aquela bola.  Mas se eu tivesse dito alguma coisa o senhor ter-me-ia humilhado logo de seguida, pois era muito disciplinador e não gostava que alguém lhe respondesse.
Continuei a treinar mais algum tempo e, certo dia, consegui fazer uma boa jogada, interceptando um perigoso movimento do ataque adversário. Fiquei todo satisfeito. Porém, quando olhei para si, fiquei triste: o senhor estava a falar com o treinador adjunto e não tinha visto. Nunca estava atento ao que eu fazia.
Sabe, eu sou o primeiro a admitir que na altura, não tinha muito jeito para aquela modalidade. Mesmo que o senhor me tivesse ensinado muita técnica, dificilmente iria passar da cepa torta e de ser um jogador relativamente fraco. Era um daqueles jovens que, embora com a mesma idade dos outros, estava um par de anos atrás deles em maturidade e força.
Ao não se aperceber disto o senhor estava talvez a cometer o seu maior erro!
DEpois disso cresci. Experimentei outras modalidades. Cheguei a júnior e, sem ser um grande sprinter, conseguia correr bastante rápido. Entretando também ganhei peso. E aquele jogador iniciado franzino, era capaz agora de atirar a bola de basebol com mais foça que ninguém na zona. Nesta modalidade fui escolhido para uma das melhores equipas da região.
Quando o meu corpo ganhou maturidade, os treinadores das equipas de futebol não me deixavam descansado, com convites atrás de convites para eu ir para o futebol. Respondi-lhes sempre que não gostava da modalidade.
"Mas porquê? És uma força da natureza" diziam tentando convencer-me!
Desculpem mas não quero! Não sei explicar mas não quero! o futebol não é a minha modalidade!
Olhando para trás, digo-lhe agora que tenho pena de não ter conseguido vingar no futebol. Teria gostado bastante. Até era capaz de ajudar a equipa.
Mas, por sua causa, fiquei contra a modalidade, mesmo sem nunca ter conseguido entrar verdadeiramente nela. Um pouco mais de treino e um pouco mais de encorajamento e quem sabe o que eu seria capaz de fazer? Sinto um grande desgosto de nunca poder responder a esta pergunta.
Sei que o senhor continua a treinar. Quantos praticantes como eu, com algumas potencialidades, mas atrasado um ou dois anos face aos restantes em termos de maturidade biológica, o senhor vai este ano desencorajar? Quantos deles irão ser, tal como eu, motivo para alguma das suas piadas?
TEnho muita pena! O Senhor está numa posição em que pode fazer bem a muitos jovens. Porém tenho dúvidas que o consiga vir a fazer. Nunca vai perder uma oportunidade que seja para mostrar quanto é uma pessoa importante (e que consegue muitas vitórias), que é capaz de gritar com todos para impor o seu respeito, pensando que ensinar é apenas isso.
Hoje tenho a certeza que está profundamente enganado.


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