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domingo, 15 de setembro de 2019

"o meu fiel jardineiro"

As árvores estão bem de saúde. Poderiam estar mais fortes, falhei a adubação nos meses de Verão.
Porém, com o meu fiel jardineiro temos sempre vindo a observá-las. Nunca deixámos alguma à sede, ou solitária na luta contra qualquer doença.
Esta é a grande aprendizagem, cuidamos. Nós cuidamos, de quem precisa e de quem não precisa. Sabemos estar à altura dos mais fortes e recuperar desde as profundezas os mais frágeis. Sem nada esperar, sem nada querer em troca, a não ser o bem dos que nos rodeiam. Os conscientes e os não conscientes. Os que nos podem valer e os Lagos de gelo. Sem medo, com esperança. Com amor, sem apego.

Mesmo neste vazio de tempo e distância, não nos esquecemos de nenhuma. Sabemos como estão desde as raízes até às folhas. Felizmente as árvores, não precisam deste preenchimento feito pela presença, às vezes tão ocas como madeira apodrecida.

Também distante das palavras, lidas e escritas. Tenho-as visitado de forma fugaz, nestes espelhos que andam sempre nos nossos pesados bolsos. Mas não esqueço a sua força, a sua lentidão, a sua astúcia, a sua dança lenta que transforma e influencia mantendo a paz e a cordialidade.

Muitas vezes sonho acordado, soltam-se palavras dos sentimentos, imagens, situações, conversas, beijos. Sonho que no final da noite, me sento na cadeira negra do escritório, que contrasta com a estante branca dos livros. Os nossos livros aquecem-nos a alma, sossegam as nossas inseguranças e dão cor á parede, dão vida sobre a mesa negra. Tal como, as janelas abertas, com a dança dos antigos cortinados. Ou a roupa a secar nos estendais improvisados, das casas encavalitadas de Alfama. Sento-me, sento-me depois de os saber a dormir. Os três adormeceram bem, depois de beberem um afectuoso copo de leite preparado e entregue por mim. Dou-lhes um beijo na testa e uma festa sobre o cabelo. A duração é a pressão é sempre igual, é intuitivo. Eles recebem este ritual, como o pó mágico das fadas da Terra do Nunca. De seguida, entregam-se as sonhos e a sua respiração é a paz.
Ligo o computador, abro o editor de texto e descrevo um passeio á chuva desde a praça do giraldo até ao templo de Diana. Ou pelas ruas frias e elegantes de Praga. Escrevo também sobre a volta de barco, da praia da terra estreita até Santa luzia. De mãos dadas, ao pôr do sol, caminhando lentamente como um vinho verde gelado e uma varanda sobre a Ria Formosa.
Depois descrevo o trabalho sobre um bonsai e junto uma fotografia.

Um sonho bom, recheado de nós. Sempre sonho, pouco escrevo porque não é o momento. Rendo-me ao cansaço e há consciência de que é preciso descansar para ter energia e disponibilidade para lhes dar tudo de mim, já amanhã.