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quinta-feira, 25 de julho de 2013

Malus - Macieira Árvore do conhecimento do bem e do mal

Reino: Plantae
Divisão: Angiospérmicas
Ordem: Rosales
Família: Rosaceae
Subfamília: Maloideae
Género: Malus





Em vaso provisório. Estilo moyogi. Transplante para 100% akadama.



Muitas vezes falha-me a memória. Muitas vezes argumento convicto e depois escapam-me os nomes, os conceitos, as teorias, as histórias e os factos. É um grande aborrecimento, porque cada um tem a sua realidade. E com a nossa realidade, tentamos influenciar a realidade do outro, calmamente... influenciar não é necessariamente: "obrigar a mudar de ideias". Quando surgem incompatibilidades, os factos ajudam a tornar mais forte a nossa realidade. Apesar da realidade permanecer eternamente na sua própria virtualidade, uma vez que cada um magicará a sua.




Ontem estava a falar sobre o assombroso mundo das religiões, nunca com medo do inferno, do céu ou do raio que me pudesse cair em cima. E não consegui lembrar-me de nenhuma das contradições do senhor. Lamentavelmente esqueci-me. Mas escrevo-as agora, na esperança de não me esquecer das que conheço.

Gosto no entanto da ideia de que o senhor, aparentemente, terá começado por jardinar e só depois é que inventou o homem e a mulher. Isto de gostar de plantar árvores, é sempre um bom começo. Diz que lá no Éden era tudo muito bonito. Tão bonito que só o inferno o equilibraria, isto é, seria o seu "yin", enquanto o céu seria o "yang". Do ponto de vista do equilíbrio estamos conversados. Um em cima, outro em baixo. Um bonito que enjoa, outro feio que mete medo.


O que é certo, é que plantou para lá muitas árvores. Depois parece que colocou lá dois desgraçados, um homem e uma mulher. Nus. Elegantes. Com todas as suas hormonas e órgãos sexuais, mas não permitia que se tocassem, que se amassem. Deu-lhes o desejo... e ordenou-lhes que resistissem. Não faz sentido. É como por um copo de água, à frente de um homem a morrer de sede e pedir-lhe para que não beba.

Para além disso, plantou lá a árvore do conhecimento do Bem e do Mal, bem no centro do jardim. E ordenou os seres, para que não comessem o fruto daquela planta. Porquê? Não se sabe. Simplesmente porque é um pouco despótico. E assim, não se cansa com explicações. Parece que ao comer o fruto, ficariam a conhecer o bem e o mal, ficando semelhantes a um deus. Não compro esta explicação. O que comemos, não nos fornece qualquer tipo de conhecimento, como se sabe.
Mas se realmente não queria que lhe comessem o fruto, porque raio é que lá plantou a árvore. Logo lá no meio, não poderia esconder a árvore num recanto do perímetro e lhe colocasse uma rede eletrificada à volta? Normalmente é assim que se faz. Mas parece que o Sr. estava mesmo a pedi-las e lá está, a Eva sonhou, desejou e não só colheu o fruto, como o comeu e ofereceu a Adão. Como castigo foram expulsos do jardim. E lá foram instalados em terra estéril à fome e à sede... azar... desembaracem-se. Lá aprenderam a viver, sem ajuda do senhorio. Tiveram os seus 3 filhos. Abel, Caim e Set.

Numa disputa imbecil, Abel fez chacota de Caim. Pois o vigor do seu gado seria mais do agrado do sr., preterindo os legumes de Caim. Mesmo sabendo destes episódios, que se arrastaram por uma semana e estando a par da raiva de Caim, deixou que o homicídio se concretizasse.

Também pediu a Abrão que matasse seu próprio filho, Isaac... como prova da sua fé, devoção e obediência. E o desgraçado lá foi até ao local, indicado pelo Sr. para liquidar o próprio filho. Era preciso chegar a tanto? Aposto que o miúdo não percebeu nada do que ali se passou. Mas que provações tão duras são estas? Precisava mesmo de acagaçar a criança, para ter a certeza que o pai lhe obedecia cegamente? Cegamente.

Não descansado também eliminou duas cidades, Sodoma e Gomorra, pois havia boatos de mau comportamento. O pior é que pelos vistos... o enxofre e o fogo que deixou cair nas localidades, matou culpados e inocentes. Grande falta de justiça. Mas quem tudo pode...

Parece também que Aarão, irmão de Moisés, esculpiu ingenuamente um bezerro de Ouro. Isto para acalmar o povo, que ansiava a chegada de Moisés. Pelos vistos nem o Sr., nem Moisés gostaram daquela injúria. Assim, parece que em nome do Sr. se mataram três mil homens, que terão pedido a Aarão um deus, Aarão fez um bezerro, que pareceu profano a Moisés, Aarão disse a Moisés que foi o povo que teve a ideia... e zás... numa noite... correu sangue porque o sr. se ofendeu. Não é cruel?

E desconfio que outras maldades possam ser narradas. Quando se é dono de tudo e de todos... porque é que ainda se mantém a necessidade doentia de ser adorado? E porque é que se exige obediência através do medo, quando se diz tão bondoso? É pelo menos dotado de uma grande carência pedagógica. "Se não te portas bem vais para o inferno" e bshiu, bshiu, bshiu não há cá mais conversas.

Importa dizer que a maçã... e a macieira já tinham sido razão de desentendimentos na barulhenta família do Olimpo. Éris, com a oferta de uma maçã dourada à mais bela das Deusas, conseguiu desestabilizar o casamento de Peleu e Tétis. Aproveitou mais uma vez, a vaidade e a fenda narcísica das Deusas e Deuses. Ser o mais belo, o mais inteligente, o mais forte e o mais adorado. Assim, lançou a maçã Dourada para cima da mesa do festim. Atenas, Hera e Afrodite argumentaram sobre quem deveria receber a maçã, que tinha inscrito "à mais bela". Páris, um pobre pastor, foi nomeado para o desempate. Foi corrompido... com ofertas das três divindades. E escolheu Afrodite como sendo
a mais bela. Quem pagou por tabela, foi a cidade do pastor. E nada mais há a dizer.

Há muitas coisas em comum entre os homens, assim como há muitas coisas em comum entre as religiões e os seus Deuses. Entre homens e deuses, há uma coisa em comum: o desentendimento.

Quanto ao fruto continuou ligado ao amor, à fertilidade e ao erotismo. É pelos vistos assim adorado desde tempos imemoriais.

A árvore é muito elegante, com folhas delicadas e sensíveis.

Irei ter uma macieira... já tentei algumas a partir da semente. Mas a seca, parecida com a vivida por Adão e Eva quando expulsos do paraíso, castrou-lhes sempre a vida. Descuidos de fins-de-semana prolongados, passados fora de casa. No entanto espero em breve publicar a imagem de uma macieira em vaso (27.7.13).



domingo, 21 de julho de 2013

tronco



Serei capaz de ser
 aquele tronco robusto
 serei capaz de reter
 o sorriso do teu rosto

 terei eu os ramos longos
 para as tuas folhas aos ventos
 terei eu braços ocos
 às tuas danças, ninhos e rebentos

terei a casca áspera que te proteja
castanha para teu verde
 tua pele cereja

serei a velha árvore a que retornas
para um abraço de outono ou primavera
 serei eu o teu chão enquanto voas?





































 







um dia...

Um dia irei conseguir escrever-te e convencer-te que és a beleza que o meu poema precisa e que não se deixa parar em palavras...

sábado, 20 de julho de 2013

rega. Observar, ver, reparar.

"Se  puderes olhar, vê. Se podes ver, repara" José Saramago in Ensaio sobre a cegueira

É uma grande frase. Uma grande lição, que nos pode ajudar a saber viver. A simplicidade de uma frase, dificilmente traduz a complexidade do mundo em que vivemos e a forma como vivemos. Por isso pode ser refutada e maltrada. No entanto a abertura desta frase, tão subtil, é suficientemente forte para se defender a ela própria.E é flexível ao ponto de a poder trazer até ao cuidado que presto às minhas árvores.


É claro que Saramago partilhou esta frase, para assinalar o egoísmo que impera na sociedade. A sede de poder, a necessidade de controlo sobre o próximo negligenciando o seu sofrimento. A incapacidade de cooperarmos nas adversidades e nos limites. A disfunção moral. A desculpabilização sobre os comportamentos ética e moralmente errados, desculpabilizados pela história filogenética do homem. "É a nossa natureza" dizem. "somos assim" sobretudo para saciar o próprio umbigo. "somos assim egoístas e selvagens podendo chegar a ferir o outro para manter o nosso bem-estar animal". Pobres de nós...

O Homem diferenciou-se pela sua inteligência, pelo seu desenvolvimento social, moral e ético, aquisições ímpares na Natureza. Encontrou na cooperação e solidariedade a chave para se tornar mais apto. O Homem é o ser com maior apacidade de aprendizagem no mundo em que habitamos. O Homem é capaz de aprender e integrar novos comportamentos, graças à capacidade de inibir e controlar emoções que o poderiam tornar violento, por objectos ou situações simples (tal como a satisfação sexual e alimentar). Aliás como está patente no Ensaio de Saramago. Conseguirmos partilhar, dar a vez, prescindir de objectos para outros em troca do seu contentamento ou bem-estar é o que nos diferencia de um qualquer bicho. O Homem tem de melhorar. O Homem pode aprender a viver melhor. Estas capacidades têm tradução em estruturas neurológicas recentes, que nos distinguem de outras espécies. Portanto não devemos ser mais evoluídos tecnológicamente, do que comportalmente. Isto é, não somos bestiais para umas coisas e bestas para outras. O mesmo é dizer, que não devemos ser maus, devemos ser bons, mesmo que isso nos custe por momentos porque isso será melhor para o todo. O Homem está na sua mão. Não está na mão de alguém que nunca ninguém viu. Depende de si e da sua consciência. E sempre assim foi. Não há desculpas. Temos de exigir de nós e dos outros o altruísmo, a bondade e se quiserem o amor. Enquanto assim não for... irão manter-se os disparates que hoje presenciamos.




Curiosamente esta frase também pode vir a propósito da rega de "bonsais". Desculpem se fui longe demais nesta ruptura. Escrever sobre algo tão complexo e de seguida, passar de imediato a falar sobre a forma mais correcta de regar uma árvore que está num vaso, é no mínimo parvo. Mas a frase de Saramago aplica-se perfeitamente. Porque o "bonsaísta" deve ter em mente que a rega não é uma receita. Não faz sentido admitir que um bonsai se rega de 5 em 5 dias ou diariamente.
O mais importante é observar a árvore, ver em que contexto se encontra e reparar no seu bem-estar. Reparar, estar atento, cuidar.

Um acto que deve ser diário passa pela observação, olhar e ver a árvore. Perceber que avaliação faz ela do tratamento/rega que lhe estamos a dar. A árvore fala connosco lentamente, pausadamente, mas diz-nos quase tudo através do seu tronco, dos seus ramos, das suas folhas. Fala connosco sobretudo através das suas folhas. Como símbolos tem a sua cor, a sua quantidade e a sua permanência.
Regar é um acto ponderado, cujo objectivo é manter o solo húmido para garantir a osmoralidade das raízes e consequente hidratação e alimentação da planta.

O bonsai tem de ter o solo húmido. Não encharcado. As árvores não gostam de água em excesso e poderão ser danificadas fatalmente por excesso de água. Assim deve-se evitar a utilização de pratos ou recipientes, que acumulem a água da rega. Do mesmo modo a escolha do vaso ou maceta, deve ter este aspecto em conta. Sendo importante, evitar pratos com concavidades, que permitam a acumulação de água que farão as raízes apodrecer ou favorecer o aparecimento de fungus prejudiciais á planta.
 Assim depreende-se que a rega por submersão é desadequada em árvores saudáveis e em solos equilibrados. Rega por submersão, consiste na colocação do vaso num recipiente com água, com uma profundidade suficiente para cobrir até metade do vaso. O vaso deve permanecer durante dez a quinze minutos submergido, ou até se perceber que o solo está suficientemente húmido. Este método de rega, pode ser indicado em caso de doença, em que a rega por aspersão seja desaconselhada. Pode ser útil sobretudo, quando o solo perdeu a capacidade de infiltração e drenagem. Neste caso, quando o solo atinge este ponto, e mantemos a rega por aspersão, poderemos ter a percepção que o solo fica húmido mas na verdade a água escorre para fora do vaso. Teremos assim, água disponível apenas à superficie, evaporando ou sendo absorvida rapidamente pela planta. Esta situação aconteceu com a minha Olea Europaea, a árvore de atenas, algo que a enfraqueceu. Depois de humedecido através desta técnica e após a árvore ter recuperado passei novamente à  rega por aspersão, com bons resultados, embora tenha de perder alguns minutos a regar só esta árvore.

A rega por aspersão, é o método mais indicado para bonsai. Esta é a forma mais simples e conhecida, sendo necessário apenas escolher um bom regador. Devemos regar toda a superficie do solo, podendo abranger as folhas. Devemos terminar a rega, quando a água estiver a escorrer através dos buracos de drenagem.



Normalmente aguardo que a água se infiltre, sem que escorra para fora do vaso, o que implica regar um pouco e aguardar. Depende do tipo de solo. Se for drenante, tal como acontece com solos 100% akadama o processo é rápido. Caso seja um solo com muita matéria orgânica, é natural que seja tudo mais demorado. Este é o caso dos bonsai vendidos em grandes superficies. São solos pouco drenantes, que conservam muita humidade mas quando secos ou velhos passam a ser um problema muito significativo.É mais difícil regular a rega nestes solos de má qualidade.

Devemos regar quando, ao colocarmos um dedo no vaso, não sentirmos humidade suficiente tendo em conta as condições atmosféricas. Por exemplo, no verão o solo, poderá ainda ter alguma humidade no período da noite, mas sei que aqui no Algarve, caso não regue o dia será difícil para a árvore, pois a meio da manhã estará tudo seco. No entanto no Inverno esta condição pode manter-se por vários dias, sem necessidade de regar.

Também poderemos fazer o "teste do pauzinho" que implica colocar um fósforo ou palito no vaso durante 15 minutos. Ao retirar se estiver húmido não haverá necessidade de regar, pelo contrário, se estiver seco necessita de rega.
 Pessoalmente prefiro testar com as nossas mãos, temos milhões de células nervosas especializadas na detecção da temperatura, dor, tacto e pressão, na palma da mão e dedos, podendo perceber se o solo está muito ou pouco húmido, ou seco.Assim percepcionamos melhor a condição do solo, podendo deduzir qual o melhor momento para regar.

Observem.













sábado, 13 de julho de 2013

capsicum frutescens - Malagueta. Arder.

Reino: Plantae
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Magnoliopsida
Ordem: Solanales
Família: Solanaceae
Género: Capsicum
Espécie: Capsicum frutescens


Poda a 21.10.13, seguidamente adubada.

Arder


Numa encruzilhada que dava acesso a um loteamentos de vivendas geminadas, encontravam-se dois carros. Um deles era um renault espace metalizado, o outro tratava-se de um Volkswagen scirocco azul. O primeiro era conduzido por um homem jovem, de cabelo negro com duas grandes entradas, barba por fazer há três dias, a cobrir a cara redonda, olhos castanhos com a esclerótica raiada com pequenos vasos sanguíneos a fazerem adivinhar cansaço. O mesmo cansaço confirmava-se pelas olheiras arroxeadas e pela postura mole ao volante. Não era um homem gordo, mas também não se poderia considerar magro. Apresentava já acumulação de gordura no abdómen, o que a par de uma má tonificação muscular adivinhava-se uma pobre figura com o passar de poucos anos. Não levava muita vontade de chegar a casa, depois de um dia de trabalho pouco interessante, em frente a um computador. Quando chegasse iria certamente despir o pólo azul escuro e descalçar os ténis e as meias negras. Deixaria apenas os calções brancos com quadrados azuis, enquanto ia ao frigorífico roubar uma cerveja em lata. No segundo carro encontrava-se a antítese. Gel no cabelo claro puxado para trás, óculos escuros à frente de dois olhos verdes. Face leve, magra, não fosse a hora poente diria que tinha acabado de colocar o after-shave. Fresco. Confiante. A sua camisa lilás e calças de tecido pretas agitavam-se com a deslocação do ar e com os movimentos de corpo equilibrado ao som da música que saía pela janela do desportivo e invadia qualquer casa com uma janela aberta.

Vinham em direcções contrárias mas o seu rumo a partir dali seria o mesmo. Sinalizaram viragem para Sul deixando a estada principal, mas nem por isso mais movimentada. Apesar de ter prioridade o homem do renault, aproveitando o vidro em baixo da sua porta, fez sinal com a mão esquerda para o seu vizinho passar. Numa dinâmica mais veraneante o homem de cabelo claro, agradeceu e acelerou.

A estrada de alcatrão, deixou de o ser poucos metros mais à frente. Um automatismo do quotidiano passava por abrandar a velocidade e subir os vidros para que o interior do veículo não fosse invadido pelo pó da estrada esburacada. O homem de cabelo claro chegava airoso, sem levantar muito pó, com suavidade e estilo. Deixava o carro à entrada da garagem. O jovem que chegava cansado, não alterava muito a sua velocidade, nem tão pouco arrumava o carro. Simplesmente o encostava ao passeio e puxava com brusquidão o travão de mão, levantando atrás de si ruído de pneus a deslizarem na terra e uma núvem de pó.

O homem de olhos cansados entrou em casa, não procurou a sua companheira. Já sabia que estava no quintal. Estava aliás, sempre no quintal. Uma certeza igual ao facto de saber que iria despir o pólo, exibindo o seu peito cabeludo, descalçar-se e procurar uma cerveja. Depois mergulharia na rotina, ligar o desktop no escritório desarrumado, apagar e-mails de publicidade e olhar a melhor vida dos seus amigos. Ao menos os seus amigos tinham-se safado e conseguido uma boa vida. Não se importaria este jovem, que alguma amiga sua de infância lhe enviasse uma foto, ou lhe colocasse a pergunta: "então?! há quanto tempo?! como vai a vidinha? o que é feito de ti?" . E a conversa se esgueirar de mansinho para um jogo de sedução silencioso. Seria o suficiente para aquecer um pouco a sua vida, mas não acontecendo também não tinha vontade de procurar lenha onde se queimar.
 A sua esposa estava realmente no quintal, a tratar dos canteiros de flores e ervas aromáticas. Encontrava-se de cócoras e levantou-se quando ouviu os dois carros a chegar. Sim, os dois. Sabia que acabara de chegar o seu marido e o seu vizinho. Ergueu-se pelo cansaço e desconforto de permanecer por algum tempo agachada, a tratar das plantas. A mulher tinha cabelos compridos pretos, que caiam até abaixo das omoplatas. Apesar de jovem observavam-se alguns brancos. O cabelo nào estava cuidado e longe de estar brilhante. Um risco ao meio bem marcado, enviava parte do cabelo para um lado e outra metade para o outro. De tão marcado este penteado, de certeza que vinha da infância ou adolescência e ainda não tinha sido mudado. Tinha sobrancelhas carregadas, olhos tristes, face magra a rodear uma boca larga com lábios grossos mas pálidos. Era uma cara com uma expressào vazia, ás vezes triste. Sim, triste sobretudo quando notou que o seu marido não a veio cumprimentar. Os ombros magros rodavam-se para a frente, escondendo o peito generoso. Notavam-se as costelas por baixo da camisa de alças verde, debotada por várias lavagens. Uns calções brancos curtos, mostravam as coxas afastadas pela magreza mas bem torneadas. Os joelhos estavam isolados, a ligar ás pernas e aos pés calçados com chinelos de borracha brancos.

Os muros do quintal eram baixos. Não era bonito o quintal do casal. Tinham um empedrado claro que esbarrava com um pequeno murinho de dez centímetros pintado de branco, que desenhava um comprido canteiro ao longo do perímetro do muro que separava o terreno. À frente era a casa do vizinho do carro desportivo. Ela estava a observá-lo, enquanto ele passeava pela casa ao telefone. Podia estudá-lo porque a casa em estilo minimalista, oferecia um vidro com janelas de alto abaixo a toda a largura do quintal. Do outro lado, o quintal estava ajardinado, tinha relva em toda a área, um grelhador a carvão num canto e uma mesa de refeição em madeira lá perto.
 A mulher entristeceu ainda mais. Olhou a Capsicum frutescens que estava à sua frente, de folha escura bem desenhada, com frutos amarelos e vermelhos a darem-lhe fogosidade.

Foi ali que Ana ardeu. Sim, foi ali exactamente. Há um ano atrás. O Fernando saiu para o Porto, muito entusiasmado por sinal, durante cinco dias. Foi a uma feira de informática, levou consigo os melhores fatos. Ia em representação da empresa. Soube-se no regresso que nenhum negócio surgiu, perdeu. Há trezentos e sessenta e cinco dias atrás, Fernando perdeu tudo sem saber.
Guilherme entrou no bairro a toda a velocidade. Com Pearl Jam em alto e bom som. Saiu do carro ainda a curtir a boa música, fazendo o gesto de goleador e a rodopiar sobre si próprio. Acabara de ganhar um prémio e ser promovido a gerente. Venceu. Há dias assim, em que parece que ficamos mais altos. Mas é apenas, uma percepção alterada, cuidado. Foi à cozinha. Preparou um Martini. Olhou em frente através do vidro e lá estava a vizinha a observá-lo com um chapéu de palha ridículo por cima da figura que já conhecemos. Então... autorizou-se. O dia era seu! Preparou outro Martini e escolheu duas garrafas de verde para pôr no frio. Assim fez. Saiu para o quintal, com dois copos nas mãos. Não havia desnível entre as moradias. Portanto quanto mais se aproximava de Ana, mas fácil era adivinhar ou supor o que estava a fazer. A jovem, Manteve-se quieta, diante das malaguetas, com os braços caídos ao longo do corpo. Mão esquerda com luva de jardinagem e a direita com um ancinho. Ali ficou que nem uma estaca, presa ao chão. Congelada pela certeza de que o seu vizinho, ia falar com ela. O nervosismo estancou os seus movimentos.

- Olá vizinha, desculpe incomodar. como está?
 - Bem. - e foi só isso que lhe saiu pela boca.
- Estou a festejar um bom momento, deixe-me oferecer-lhe uma bebida para não comemorar sozinho. Ana sorriu e estendeu o braço. Deu um gole na bebida sem respirar e sem saborear. Um silêncio embaraçoso. Esperavam-se mais palavras da mulge. O rapaz olhou o arbusto... e não se sabe porque lá arrancou um trunfo:
 -aaaaahhhh! Tem uma Capsicum Frutencens. Gosta de calor porque é originária das caraíbas. Foi Cristôvão Colombo que trouxe a planta, que como era parecida com a pimenta da guiné também chamada de malagueta, passou a ser conhecida como malagueta.
 -Sim? Não sei. Mas aqui tem-se dado bem.
 -Com a vizinha a cuidar das plantas, elas só têm de estar bem...

E é aqui que Guilherme oferece a malagueta e Ana aceita-a. Nada mais havia a fazer, não havia passo atrás. Ana foi convidada a dar a volta e entrar na casa de Guilherme. Em tons brancos e pretos, com salpicos de louças e telas verdes claras. Um vazio sedutor. Partilharam as duas garrafas de vinho. Conversaram na cozinha em estilo antigo, petiscaram o que havia para comer no momento sem mais demoras e sem perder tempo. Despiram as suas vidas em palavras. Tornaram-se cúmplices.

No meio de uma gargalhada a mão de Guilherme, passeou a coxa de Ana. Os calções curtos, brancos, nada podiam fazer. Não podiam aumentar. E Ana petrificou em picante vermelho, que lhe subiu à face. E quando a língua de Guilherme invadiu a boca da mulher, enrolando-se na sua língua, Ana ardeu. O seu corpo quis apagar o fogo, começou a suar, a afastar-se devagar. Passos pequenos para trás, mas o fogo continuava a avançar. E cercou a Ana,quando a sua cintura embateu na bancada de cozinha e Guilherme a levantou a colo ligeiramente e a deixou sentada sobre a banca. Rendeu-se. Ana foi no fogo. Abraçou-o devolveu-lhe a língua e a pele e o corpo todo.E incendiaram-se ali e consumiram-se na sala e arderam até ás cinzas no quarto.

Desde há um ano que o picante e o ardor de ferida na boca chega à mesma hora para Ana. E a sua consciência continua cercada pelo fogo que a paralisa e lhe perpetua a angustia. Assim é a paixão, é fogo preso. A traição suas cinzas. E não sabe agora como voltar à frescura de um amor livre e vivido em paz.

 Paixão é o vermelho de malagueta. Amor é azul de mar.

 No ecrã do computador surgiu a mensagem:

"Olá Fernando! Há quanto tempo? Sou eu a Rita. Que tal vai a vidinha?"



Ficus Carica L. - Uma árvore das religiões

 Reino: Plantae
 Divisão:Angiospérmicas
 Classe: Eudicotiledoneas
 Ordem: Rosáceas
 Família: Moraceae
 Género:Ficus
 Espécie:Ficus carica

24.4.14

Parece que Adão evitou a nudez com uma folha de figueira... e não com a parra da videira. A Eva foi atrás e também afastou o pecado e a tentação com uma folha de igual origem. Como se sabe não deu resultado. Não terá sido boa ideia conferir a tais personagens peças de tão grande sensualidade.

Depois de demonstrar os seus poderes afrodisíacos, a Figueira resolveu dedicar-se ao outro pecado... e ofereceu Ficus a tão boa gente! Esta árvore alimentou muitos e bons povos desde o neolítico. Encheu a barriga a asiáticos, judeus, israelitas, romanos, árabes e lusitanos.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Bonsai ou "árvore em vaso"

Vamos tentar hoje operar de uma forma mais formal ou académica. Vamos entender tudo isto como um exercício ou um apontamento, talvez tivesse merecido ser a minha primeira mensagem.

É difícil encontrar consenso relativamente à tradução da palavra japonesa Bonsai para português. Segundo Prescott (2002) a tradução directa é "árvore em vaso". Outros autores admitem bon significa "vaso" e sai "cultivar" (Ricci 1996). A ideia está lá mas a primeira parece-me mais correcta. Para desampatar Tomlinson (1996) admite a tradução de Bonsai como "bandeja baixa e planta". A palavra é originária da China e designa a arte que se admite ter iniciado há pelo menos 2000 a.c.. Em japonês são utilizados os mesmos caracteres que na china para escrever bonsai. Pois as primeiras árvores e técnicas foram oferecidas por aristrocratas chineses a diplomatas nipónicos que depois disseminaram a arte e acrescentaram técnicas e conhecimentos diferenciando-se mais tarde das técnicas e estilos artísticos chineses (Prescott, 2002). Pode ainda acrescentar-se que os artistas chineses mantiveram um estilo de árvore que remete a uma paisagem, em que podem incluir a presença de figuras, estilo que se pronuncia por "penjing" ou "punsai". Também o estilo de vaso utilizado pela arte chinesa é diferente comparativamente com os vasos japoneses.


 Segundo Prescott (2002) os japoneses resumiram a arte aos aspectos naturais e aparentemente mais simples de uma árvore (tronco, ramos, folhas, proporção e a relação com o vaso) melhorando as técnicas de intervenção e manutenção. Estas técnicas possibilitaram por exemplo a modelação e manutenção de árvores ao longo de séculos. Como por exemplo:

Este pinheiro com 800 anos pertencente ao Mestre Kobayashi, exposto no seu jardim Shunkaen

retirado de Bonsai Empire, 5.7.2013


ou este pinheiro com registos superiores a 500 anos que pertenceu ao clã Tokugawa pertencente à National Bonsai Collection

Retirado de Bonsai Tree Gardener


 Os primeiros Bonsai terão sido introduzidos na Europa por volta do século XIX, após a Feira Mundial de Paris. Mas como os ocidentais não sabiam mantê-las, as plantas rapidamente morreram (Prescott, 2002; Tomlinson, 1996). Segundo Prescott (2002) foram os combatentes na segunda grande guerra que trouxeram as técnicas e as árvores como recordação e contribuiram decididamente para a disseminaçào da arte. Ao longo do século XX e XXI os praticantes aumentaram, os produtores aumentaram e a qualidade das árvores diminuiu (Prescott, 2002). Para obter uma boa árvore ou se escolhe um bom artista/produtor ou criamos a nossa própria árvore a partir da semente, de uma compra num viveiro ou apanhando da natureza (uma técnica a realizar com a certeza de um impacto minímo na natureza, com certezas de que a árvore sobrevive  e que se respeita o proprietário do terreno). Dizer a esta altura que o Bonsai não é uma espécie de árvore, poderemos utilizar qualquer árvore/arbusto para desenvolver um bonsai, mas existem espécies mais apropriadas devido às suas características naturais como a qualidade do tronco, tamanho da folha e à adequação às condições atmosféricas onde irá ser colocada. Bonsai também não é apenas manter uma árvore num vaso, pois o Bonsai tem uma nota artística determinante, que aproxima as dimensões do bonsai às árvores encontradas na natureza e é também uma forma de expressão artística sendo necessário o conhecimento de técnicas e algum talento para desenhar uma boa árvore.

As notas e possibilidades artísticas de expressão e modelação das plantas, os conhecimentos científicos necessários para manter as árvores saudáveis, são por si uma excelente forma de aproximação, compreensão, regresso e contemplação ao que temos de mais precioso, a natureza.



 David Prescott (2002) Manual do Bonsai. Editorial Estampa.

Ricci M. (1996) O cultivo do Bonsai. Girassol edições

 Tomlinson H. (1996) 101 sugestões - Bonsai. Dorling Kindersley, civilização editores lda.










terça-feira, 2 de julho de 2013

da semente








































Hoje transplantei estas plantas. Serviu de treino. O grande objectivo, passa por manter as árvores vivas. Pois a Akadama que adquiri numa promoção da Iberbonsai, é de baixa qualidade. Depois logo se verá. O material, foi obtido a partir de sementes, e cresceram num vaso bonsai. Assim, obteve-se um material de baixa qualidade. De qualquer forma, respeito as árvores. Gosto delas. Sempre as cuidei. Portanto procurei dar-lhes o melhor aspecto possível. Assim, desenhei um moyogi, uma árvore em estilo cascata (kengai) e uma floresta (yuse-ue). Todas precisaram de mais trabalho de formação. 6.3.14