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sexta-feira, 31 de maio de 2013

Olea Europaea L. - A árvore da Deusa Atena


 Reino: Plantae
Divisão: Angiospérmica
Classe: Magnoliopsida
Ordem: Lamiales
Família: Oleaceae
Género: Olea
Sub-espécie: Olea Europaea L.

A minha primeira participação numa Exposição do Clube Bonsai do Algarve, Vila Real de Santo António, 2014


A árvore da Deusa Atena

O vento seco misturado com os raios de sol do mediterrâneo ainda não transportavam em si o pólen da flor da Oliveira. O ar batia-lhe na face de pele dura e queimada de batalhas, sem que um sobreolho se contraísse para evitar que demasiada luz lhe fizesse arder a retina. O ar é o elemento que o tem acompanhado nos combates, nas derrotas e nas vitórias que tornaram o Rei Cécrops poderoso e respeitado por aristocratas, pelo povo, pelos escravos mas sobretudo pelos Deuses que estavam lá no palácio de cristal do Olimpo. De face esguia, nariz marcado e com barba negra que lhe cobria as sombras das mandíbulas e encerrando o queixo. Tinha um tronco musculado e uns braços fortes de leme... o recto do abdómen bem delineado à imagem dos corpos olímpicos, ligava a parte humana à sua metade inferior cuja parte ventral tinha escamas rectangulares castanhas claras e atrás o corpo apresentava-se com escamas pequenas e verdes escuras. Metade homem, metade serpente… assim nasceu directamente da terra alaranjada e ferrosa. Percebia-se a força de tais pernas, que não o são, pela forma como se erguia do chão e se deslocava serpenteando de forma hipnotizante pelo mármore que lhe estava por baixo. Estava cansado da Guerra… e decidido a ouvir os sábios que ele próprio procurou e juntou e passar essa sabedoria ao seu povo. Tinha orgulho na sua cidade… pretendia realmente servi-la e para tal ensinou estas gentes a ler, a escrever, a cuidar da família como principal célula da paz, convenceu duzentas mil almas a não sacrificar humanos ou animais pois na sua religião os Deuses ficariam satisfeitos com o resultado de boas colheitas agrícolas e não com o sangue da 

carne de animais assustados. Sábio este Rei de “face com cauda” que é a tradução de seu nome…

Ali a cento e cinquenta metros acima dos mares de Posídeon o rei Cécrops, com o Pártenon vazio nas suas costas apreciava o ondular de cores e sons na Ágora. Deixou-se embalar naquele ruído de mercado que nos oferece pedaços de conversas e respectivas emoções, quando rasgamos estas multidões. Cruzamo-nos com conversas de ocasião, atentamos ao anúncio de um bom preço enviado desde a garganta forte do mercador, avaliamos as vestes e modas, comparamos preços ou cumprimentamos um conhecido que nos pergunta pela família ao que respondemos que está tudo bem e devolvemos a pergunta para despachar a conversa. Tocamos texturas de tecidos, cheiramos a fruta, evitamos o odor do peixe a não ser que nos apeteça comer pescado. Compramos algo e arriscamos um comentário sobre a polis ao mercador e ligada freguesia esperando encontrar acordos, desacordos ou talvez uma gargalhada. Levamos um bom troco que acaba com a conversa ou abre uma boa e cordial discussão. Assim é desde que há pólis... e aos poucos percebemos que faz parte de nós.


quinta-feira, 23 de maio de 2013

Buxus Sinica - Labirinto de Cnossos o lar do Minotauro

Reino: Plantae
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Magnoliopsida
Família: Buxaceae
Género: Buxus 
Espécie: Buxus Sempervirens


A 14.4.14 após transplante no Jardim de Bonsai com Rui Ferreira

Labirinto de Cnossos o lar do Minotauro


Naquele jardim, assim como noutros que tais, os Buxus formam labirintos. Um qualquer jardineiro, com mais interesse sobre geometria e arquitetura poderia perfeitamente conjeturar paredes de arbustos em forma de labirinto, com o saudosismo de brincadeiras e partidas de crianças ou propiciar, aos mais pequenos, jogos de apanhada e escondidas; Ou mesmo oferecer a um casal de adolescentes um espaço de maior privacidade no seu caminho de conhecimento mutuo. Enfim... um qualquer jardineiro poderia lembrar-se disso mas temo que não seja esse o caso.  Alguns são podados por mero interesse estético, porque sempre assim se podou... e portanto poucas críticas e aborrecimentos podem ser esperados.


Mas há jardins que, com estes labirintos de buxus, pretendem recriar o lar do touro do Rei Minos, mais conhecido por minotauro. No perdido Palácio de Cnossos, na ilha de Creta, terá vivido em fúria Astério...

Os minóicos habitavam a ilha de Creta... que encerra o mar Egeu, veremos adiante a razão de tal designação. Morfologicamente falando são indivíduos diferentes dos gregos... Creta recebia ventos, correntes e marinheiros de Norte, Sul, Este e Oeste. A mistura destes povos aproximou a fisionomia destas pessoas em favor, aos Egípcios... portanto poderemos imaginar um povo moreno, baixo e de rosto alongado e marcado pelo sol.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Ulmus - amor

Reino: Plantae
Divisão: Angiospérmicas
Classe: Rosídeas
Ordem: Rosales
Família: Ulmaceae
Género: Ulmus
Espécie: Ulmus Parvifolia
Nome Comum: Ulmeiro; Olmo; Ulmo; Negrilho; Lamegueiro; Lomegueiro; mosqueiro; Aveleira-brava

22.2.14 - vaso Slovakia (http://www.e-bonsai.eu/e-bonsai/bonsai-pot/pa-pao/papao-r-seria/)


Transplatado a 13.10.2013, na aula do Mestre Rui Ferreira no Jardim de Bonsai. Alterou-se o estilo e a árvore ganhou dinamismo. O vaso de fabrico artesanal, é elegante e liberta a árvore. Adorei o trabalho do Mestre Rui. A árvore ainda está por acabar.


Já não me lembro à quanto tempo o vejo a crescer. Terá pelos menos três anos, pois foi o único sobrevivente à nossa lua de mel. Outras mãos... outras regas... e só este ulmus ou Ulmeiro nos acompanhou. Com o nosso cuidado foi ganhando novos galhos, novas folhas. Temo-lo cuidado. E como sabemos "quando a gente ama é claro que a gente cuida".
Quanto mais tempo cuidamos, mais nos afeiçoamos à presença, à permanência, ao amor.
Estas coisas têm graça... mas fazem parte de nós e pronto. Na loucura e vergonha de dizer "eu amo esta árvore", tenho de o dizer... não pelo ser vivo que é mas pelo que representa, pelo que traz comigo em cada curva do seu tronco. Transporta-me para as memórias de outras casas, de outras vidas, de outras viagens mas do mesmo amor, da mesma presença. Então decidi que esta árvore deveria ganhar "o amor"... estava a pensar este texto para uma macieira, mas essa é a árvore do desejo não do amor:




24.5.2013

Ulmus nesta foto após poda de manutenção, espero agora que rebente mais proximalmente, para melhor preencher os espaços dos ramos sem folhagem. 27.6.2013


1. “Amor” Hoje

Não sei definir o que é o amor tão bem como Aristóteles, Comte-Sponville, Nietzsche, Kant ou Espinoza mas, sei sentir o amor. Sei que o senti porque já o recebi, já o dei, já o retribui, já o tive, já o perdi, já o recuperei... É o amor nas três formas propostas de Comte-Sponville (1995); É o amor de Aristóteles; Foi (na paixão) o amor de Platão. As minhas circunstâncias foram, penso eu, o amor e portanto, vivi amor. E se o amor é vida e se eu vivo, então já senti amor ou pelo menos senti a sua falta ou desejei outro amor.
A facilidade e a simplicidade desta virtude, ilude-nos, penso que a todos aqueles que ainda não viveram muito, isto é, não aqueles que vivem muitos anos, apesar de acreditar que há uma certa proporcionalidade, mas aqueles que já experimentaram viver muitas coisas e conheceram o amor de Êros, amor de Philia e o amor de Agapé.
O amor na nossa sociedade parece uma virtude gratuita, ao alcance de todos, é banalizada em todos os cantinhos em que o Homem pode lucrar com isso. Aliás, parece tão simples como a àgua que sai da torneira e é tão importante ao Homem, faz parte dele, compõe a maior parte do seu corpo...Talvez o amor constitua a maior parte do seu espiríto.
Nos contos infantis os príncipes salvam as princesas, porque são bonitas e boazinhas, casam com elas e são felizes para sempre. No cinema os actores, lindos de morrer, dizem “amo-te muito”. Nos chats pode-se escrever muito facilmente “amo-te”. Na rádio há programas cujo título é “o amor é...” ou “o amor acontece...”. As telenovelas terminam sempre com um amoroso casamento.
Passando para o lado de cá, todos devem amar entre os 18 e os 30 anos de idade para casarem, terem filhos e igualmente viverem felizes para sempre. Boa moral, mores da melhor, em latim... e talvez pouco amor, talvez amor Platónico, talvez.
Esta simplificação do amor, relacionar-se-á directamente com aquilo a que Ortega y Gasset (1989) chama de “Frenesim simplificador”, na sua obra “A Rebelião das Massas”.
Mas, como este amor ocidental vai conferindo algum Capital não necessita de ser alterado, nem convém por isso ser pensado, é um “amor produto” que vende bem. Não é bem assim, crescer com Êros, sentir a Philia de Aristóteles, para depois se traçar o caminho e um outro longo trajecto até chegar a Agapé. Apesar de se encontrar alguém nosso amigo, alguém especial, o nosso amor, seria bom aprender a pensar o amor e aceitar que é uma emoção que se pode construir. E se construímos lado a lado, seja com quem for, as ambições e os objectivos daquilo que se ama devem ser complementares.


2. Porquê amor?

Decidi falar desta virtude o “amor” quando ouvi a frase de Santo Agostinho: “Ama e faz o que quiseres!”. Esta será a mãe de todas as outras virtudes. E todas as atitudes e comportamentos com um fundo de amor são o bem, sem que seja necessário dever cumprir Regrais Morais para desempenhar uma boa acção.
Parece simples, mas se formos sinceros connosco próprios, muitas vezes fizémos o bem sem amar o outro, de acordo com Comte-Sponville (1995).
Lembro-mo daquela imagem do belo pacote de batatas fritas que nos é oferecido, um grande e magnífico pacote, para saciar a nossa gulosice! Brilhante! E quando estamos a colocar a primeira e melhor batata na boca, eis um rapazito ou rapariguita da nossa idade a chorar por as melhores batatas do planeta... caramba... E depois o tal ritual, de afastar um pouco o pacote das batatas para o lado contrário da outra criança, conbrindo-o com o nosso tronco, na esperança que ele se cale por entender que aquelas são as melhores batatas do mundo e já têm dono... mas continua a chorar... irra! E surge uma voz lá do quinto andar... – “Vá Pedro então não dás uma batatinha ao menino(a)”. E lá vai a batata, a melhor do mundo, para a boca do outro. Levamos uma festa na cabeça e temos fé que para a próxima o pacote seja maior. Passado algum tempo já não nos lembramos disso, mas sei que no futuro diremos aos nossos filhos para partilhar com os outros. Não por amor... mas por Moral e porque assim faremos o bem, mas também porque quando estivermos na posição do menino que chora, esperaremos que a nossa imensa gritaria traga uma batata igual. Daqui se pergunta se... o amor pelo próximo é herdado ou adquirido? Quando é que somos capazes de amar o próximo verdadeiramente... sem esperar seja o que for? É assim que se começa? Não sei.
Sócrates diria que me estariam a ensinar o que é a amizade, ou a formar um caminho para a amizade, porque já todos demos a melhor batatinha frita do mundo a alguém e sentimo-nos muito bem ao longo desse dia: - “dei a alguém que ficou feliz!”.
A aula serviu para revolver um pouco da minha vida e identifiquei muitos amores diferentes, muitas certezas e também muitos erros. Talvez o mesmo possa acontecer a qualquer um que se permita tomar a posição da estátua de Auguste Rodin, o pensador, e questionar-se sobre “o que é a ética” e “o que raio é o amor”!
Ao longo deste ensaio efectuarei uma análise sobre o “estado do amor” na cultura ocidental, uma discussão que ocupará o primeiro ponto. Depois julguei interessante indagar sobre quando é que o amor começa, dedicando atenção a este assunto no segunto ponto. De seguida são apresentados muito resumidamente os três amores propostos por Sponville (1995) que me ajudou imenso na minha reflexão, iniciando no ponto à frente se o Homem é capaz de se amar.
Virá depois o meu amor, aquele que sinto, aquele que quis escrever sem a preocupação de classificar... o leitor julgará por si. No último ponto apresento algumas (in)conclusões.

Se a ética é saber viver,
E se o amor é vida,
Então todos temos amor.

24.5.2013


3. O Início do amor

Como Vygotski admite que “eu, sou eu e a minhas circunstâncias”, admito que o amor que sinto e posso transmitir, seja um amor adquirido, tal como sugere Freud (cit. in Comte-Sponville, 1995). Poderei dar aquilo que nunca recebi? O amor que sinto será semelhante ao dos meus pais? O amor vem nos génes?
Talvez venha a amar como eles se amam e como eles me amaram. Ficaria muito feliz, muito realizado se for capaz de o fazer. Haverá outros que amarão de forma diferente, influenciados por outrém. Segundo Freud, Piaget, João dos Santos, Eriksson, Vítor da Fonseca ou Bronffenberger, entre outros autores, são da opinião que os pais e a estabilidade afectiva que conferem são determinantes no desenvolvimento da criança. Acredito que não é só a Moral que é transmitida, acredito que também o amor é transmitido por interacção entre a criança e seus pais. E se este amor, que segundo Aristóteles se designa por Philia e é o verdadeiro amor, aquele que não pretende nada em troca, quanto mais equilibrado e verdadeiro maiores probabilidades terá a criança de ser feliz.
Como segundo Vigotsky, “eu, sou eu e as minhas circunstâncias” o amor que posso dar será uma predisposição genética, mais o amor que recebi. Onde começamos a amar? Será que aprendemos a amar assim que contactamos pela primeira vez com a nossa mãe?
Por outro lado se ainda não tive filhos, posso nunca ter sentido o que é “amor de pai...”, o que se sente pelos filhos? Aristóteles poderia dizer que este amor, é alegria e amizade, apesar de diferente na sua forma ou intensidade, é um amor que se nutre pelos filhos e pela mulher ou pelo marido, surgindo por ordem natural. Poderá o amor ser uma característica Humana, uma virtude comum a todos? Se assim for Jean Jacques Rousseaux tem razão quando defendia que todas as crianças nascem boas e portanto capazes de amar.
E se o amor é uma virtude... e se Comte-Sponville (1995) pensa que as virtudes podem ser ensinadas mais pelo exemplo, então o amor aprende-se.


4. Resumo de Erôs

Por vezes o povo não conhece as raízes ou as origens do seu próprio conhecimento. Quando
empregamos a expressão “aqueles dois... sofrem de amor platónico”, umas vezes correctamente, outras não, estamos a recuperar o entendimento que Platão tinha da origem do amor e o que era ele na sua essência. Na sua obra mais popular, “O banquete”, o grande filósofo Grego apresenta dois discursos, um de Aristófanes e outro de Sócrates. Segundo Comte-Sponville (1995) o público quando usa a expressão anteriormete citada, refere-se ao discurso de Aristófanes, que não é de todo concordante com a perspectiva de Platão que preferia a dimensão amorosa de Sócrates.
Resumidamente Aristófanes propõe que o amor significa a complitude, as pessoas amam-se e completam-se, tornam-se uma unidade e alcançam a felicidade. Aristófanes acreditava que os ancestrais do Homem eram duplos, ou seja, eram duplos, “os machos, que tinham dois sexos de homem, as fêmeas, que tinham dois sexos de mulher, e os andróginos, que, como seu nome indica, tinham ambos os sexos” (Cit in. Comte-Sponville, 1995). Estes tinham poderes invejaveis, a tal ponto que desafiaram os Deuses, e Zeus puniu-os separando-os. Daqui resulta a necessidade de encontrarmos a “cara metade” que nos irá conferir a unidade e a felicidade.
Platão não concordava com nada disto, detestava Aristófanes. O seu entendimento do amor, é idêntico ao de Sócrates que o defendia que amor era amor a alguma coisa, era desejo de algo ou alguém e que no final restaria a falta, a tristeza e o vazio. Esta é a real definição de “amor platónico”, amor com paixão pelo belo, pelo erótico, pelo desejo, depois o sofrimento, a falta e no final com tragédia e morte. Se o Homem deseja o que não tem, se deixa de amar e desejar o que passa a ter, se quer possuir aquilo que está sempre noutro horizonte, então Platão diz que o Homem depois do amor que será nada e nada é a morte. O amor só tem continuidade através dos filhos que o Homem deixa, é prossecução do seu amor. Amores tal como o de “Romeu e Julieta” ou “Tristão e Isolda” são o exemplo de que o amor só o é enquanto não o temos, a não ser no momento da morte. Claro que este é o amor que comumente não se deseja, o amor apaixonado e sofrido.


5. Resumo de Philia

Aristóteles tinha uma opinião contrária à do seu Mestre. Na sua obra “Ética a Nicómaco” o filósofo admite que “amar é a virtude dos amigos” que consiste em “amar sem ser amado”, que é igualdade, justiça e fidelidade, amar é portanto fazer o bem. Spinoza diz que “amor é alegria” e o amor faz-se, tal qual como um desejo se satisfaz e que isso nada tem a ver com falta. O amor é portanto atingir a alegria e a felicidade por se ter aquilo que se ama e que se deseja. Podemos amar e desejar sempre, sendo que desejar será o rastilho e o amor será o “fogo que arde sem se ver”, mas está lá, a felicidade está lá. Para Aristóteles podemos amar o nosso parceiro, podemos desejar e amar a nossa família e gozá-la sempre que desejarmos... porque ela está lá.
Comte Sponville remata o seu estudo assim “Há o amor que sofremos, é paixão; há o amor que fazemos ou damos, é acção (...)” é Philia.


6. Resumo de Agapé

Este é considerado por André Comte-Sponville o expoente máximo do amor, o amor divino, um amor universal. Seria o amor que caso o Homem realmente o possuísse, a Moral poderia ser colocada no armário. Seria o amor de Cristo, aquele que abrange até o inimigo, o amor que dá a outra cara; Aquele que fará o bem a todos sem esperar nenhuma coisa em troca.
Agapé ama seja o que for, é portanto o amor da criação, mas desinteressado. É a caridade; É a possibilidade da ausência de Deus.


7. O amor de cada um

Se um constructo, se uma aquisição, se uma partilha, uma alegria ou mesmo uma falta, o amor será para cada criança, rapaz, rapariga, homem ou mulher, as suas vivências amorosas e fará parte da sua diferença. Desde o seu nascimento, cumprindo os seis amores de Eduardo Sá, passando pela tumultuosa adolescência com Platão, para encontrar a Philia e tentar tocar a Agapé.
Sinto que tive a possibilidade de experimentar vários amores e portanto poderei considerar-me mais rico.
Haverá necessidade de coragem para ultrapassarmos todos os níveis amorosos? Se é que algum é melhor que outro... Se o amor é a mãe de todas as virtudes, então não deveria precisar dessa coragem mas, penso ou melhor, sento que já necessitei de coragem para andar com o amor para a frente. Se é que passar de Êros para Philia seja uma evolução, eu penso que sim.


8. Amor Universal

Parece-me tudo rápido demais, eticamente egoísta demais, há demasiado Êros no nosso mundo. Cultiva-se o Êros, não se quer Agapé. Defende-se o amor pelo outro... mas na realidade o Homem tem-se demonstrado demasiado narcísico, egoísta, demasiado alucinante, muito distraído para poder amar o seu semelhante. Há homens que já nem os seus filhos amam... nunca foram amados... e agora? Talvez a Moral.
Parecemos cada vez mais distante deste Amor Divino... talvez só a Deus pertence. E a Moral parece cada vez menos considerada como nos faz ver Ortega Y Gasset (1989) na “Rebelião das Massas”.
Não é o fim. Mas é o continuar sem amor ao próximo... Com menos amor ao próximo. Amor ao inimigo? Não... Não me parece... Nem todos são capazes.


9. O meu amor escreve assim...

Se falar de amor é uma tarefa difícil, então escrever sobre amor é uma ilusória pretensão…
Não se pretende fazer uma revisão da literatura sobre o tema, nem discutir teses ou opiniões, apenas que estas linhas surjam como se pensa que o amor deve fluir: livremente.
Se se fala de amor desde que se fala de vida e se se fala de vida desde que se fala de morte, então fala-se de amor desde que se fala de morte. Este poderia ser perfeitamente um dos silogismos de Aristóteles e Platão. Mas, tal como os que são vulgarmente conhecidos através da lógica de Aristóteles, também este é digno de refutação…
Falar de amor significou, no passado, falar de morte, de desgosto e de sofrimento. Lembremos a literatura clássica, o romance de Romeu e Julieta ou a poesia de Bocage.
Platão, Aristóteles, Kant, associavam o amor à perda, à ausência; Shakespeare, à separação, ao desespero; Bocage, ao desprezo, à solidão. Para Camões, era “um fogo que arde sem se ver”; para Florbela Espanca era “alma, sangue e vida”; Para Ricardo Reis era “toque, carne”…
O amor está nas páginas dos livros, nas letras das músicas, nas imagens da publicidade, está em todo o lado, depende apenas do prisma através do qual o vemos.
Eduardo Sá, fiel descritor da realidade dos nossos dias, apresenta-nos seis amores, defendendo o sexto como sendo o especial, o único. Pessoalmente, concordo.
Penso que se se analisar a realidade actual, encontramos um retrato fidedigno do que é o amor, sem adereços, sem falsos moralismos, afinal já lá vai o tempo dos amores prometidos à nascença.
O amor existe. Sem a menor sombra de dúvida.
Existe nos momentos em que se sonha acordado, com a realidade que se quer construir, um dia.
Existe na mão invisível do pintor que borra o céu em tons de rosa, enquanto os condutores na sua azáfama, nem se apercebem do cair da noite.
Existe na delícia de um gelado que se saboreia em pleno Inverno.
Existe nos momentos em que, incógnitos, passamos horas em frente à montra da loja de artigos para bebé.
Existe naquela letra de música que gritamos a plenos pulmões, na certeza de ter sido escrita para nós.
Existe em todas as promessas, feitas em silêncio.
Existe no toque firme da paixão.
Existe no olhar do homem que venera o sono da sua mulher, na esperança de vislumbrar uma curva, quente, da sua silhueta.
Existe, nas lágrimas que correm, à chegada e à partida.
Existe no animal que dorme, tranquilo ao nosso colo, confiando na mão que o acaricia.
Existe nas plantas que germinam, fruto da paciência e da dedicação.
Existe na lembrança, na saudade.
Existe nas cores, nos sons e nos cheiros que provocam sorrisos pela recordação de quem se ama.
Existe na coragem necessária para afastar o objecto do nosso amor, empurrando-o na luta pelos seus sonhos.
Existe na força com que se escolhem as melhores palavras para esconder o desespero que a ausência provoca.
Existe na loucura de dizer “adeus”, quando se quer dizer “fica”.
Existe na insanidade de confiar no outro, como em nós mesmos.
Existe na entrega total, de saltar sem rede, começando tudo de novo, infinitas vezes.
Existe na febre com que se diz “para sempre”, na consciência das dificuldades do amanhã.
Existe na mão do homem, que toca firme, na barriga da mulher onde cresce a esperança.
O amor existe.
É vida.
É onde tudo começa, onde nada termina.


10. Não se pode concluir o amor...

Descreveu-se a virtude “amor”, aceitando que é a mãe de todas as virtudes, por das outras não depender, e caso amor exista todas as outras virtudes não precisam de existir. As restantes virtudes são espectros do “amor”.
Concluo que a vida vai oferecendo a todos possibilidades de amar e ser amado, para uns abrem-se oportunidades mais pequenas, outros têm o privilégio de sentir o amor dia a dia.
Quero amar como amei até aqui as crianças e famílias com quem já trabalhei. Quero continuar a amar aquilo que faço e quero amar aqueles com quem já trabalhei e recebi o sorriso porque nada mais podiam dar... e deram-me tudo aquilo que tinham.
Acredito que João dos Santos, Pedro Onofre, Broffenberger, Ajuriaguerra, Vygotski e Wallon amaram aqueles que puderam amar.
Quero acreditar que o homem pode amar o seu próximo, mesmo o inimigo, sem precisar de Deveres Morais, sem querer nada mais em troca.
Desejo que haja mais espaço para o amor.


ARISTÓTELES - Ethique de Nicomaque. Paris: Flammarion, 1965.

COMTE-SPONVILLE, André - Pequeno tratado das grandes virtudes. Lisboa: Bertrand, 1996.

ORTEGA Y GASSET, José – A Rebelião das Massas. Lisboa: Relógio D´Água, 1989.  
Não escrevo segundo o novo acordo ortográfico.


terça-feira, 14 de maio de 2013

ficus microcarpa ginseng



Reino: Plantae
Classe: Angiospérmicas
Classe: Angiospérmicas
Divisão: Rosídeas
Ordem: Rosales
Família: Moraceae

A árvore tem um estilo neagari (raízes expostas). A copa era demasiado alta, com uma orientação vertical e forma redonda. Procurei baixar a copa, conferir uma forma triangular. inclino o tronco, respeitando o movimento das raízes. Espero agora que os primeiros ramos engrossem e na Primavera possa fazer defoliação para diminuir o tamanho das folhas.












Passo a Passo se faz o caminho

Uma onda me trouxe até ao frio novamente,
É com alguma revolta que estou na areia de novo!
Apetecia-me nadar naquela corrente,
Em vez de seguir por este caminho longo.

"Sempre chegamos aonde nos esperam!"
é verdade, bem sei apesar de tudo,
Mas com os pés em terra os sonhos encerram,
e as marés baixam até ao fundo.

Leva cada pedaço do caminho,
nem tudo se irá apagar,
um dia voltará a vida do mar.

Com todo o sal,
que desfaz o rio.
Segunda-feira, 1 de Dezembro de 2008
Cheguei... descansei sem ter deixado de trabalhar... pensei...amo-vos com todas as forças e voltei a escrever.

Sexta-feira, 31 de Maio de 2013,
Eu sei que escolhi um caminho longo...
mas olha para as minhas árvores
e as telas que lhes estão por trás.


Acer Palmatum - honra

Reino: Plantae
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Magnoliopsida
Ordem: Sapindales
Família: Sapindaceae
Género: Acer

Espécie: A. palmatum

poda formação a 28.12.2013, na escola jardim bonsai, com Rui Ferreira. O Sistema radicular surpreendeu-me pela positiva e poderá ser um ponto forte da futura árvore. No entanto tem problemas técnicos, que só irão ser remediados com o longo prazo. A árvore era muito alta para a grossura do tronco, pelo que se procuraram os gomos activos mais baixos e realizou-se a poda.

Honra


Reza a lenda que...


o espelho dizia estarmos perante um rapaz por volta dos16 anos, tão magro quanto disciplinado e com uma altura que prometia mais agilidade do que força.

Estava deitado sobre o chão com o seu corpo abandonado numa leveza que só à pouco tempo conheceu. Cada músculo se rendia a cada expiração lenta, como a brisa da manhã de verão faz desmaiar cada ramo de um Acer. Os seus ossos estavam completamente encostados ao chão, fundindo-se o branco mineral com o wenge escuro. A sua mente transportava o 'qi', da testa aos olhos escorrendo lentamente por baixo da sua pele branca, à palma da sua mão, ou até às juntas do seu joelho sempre tão lentamente… cartografando cada célula do seu corpo, cada pedaço de osso que sai um pouco mais proeminente e nos dá o aspecto magro. Conseguia transformar frio, ou quente, reduzir a dor e eliminar a gravidade. Conseguia consolidar cada instante no seu mais puro detalhe, cheiro, cor, o movimento rápido numa lentidão gigantesca, até encontrar a paz, a harmonia que os Deuses da Natureza prometem e podem oferecer, cada um deles em forma abstracta ou natural, na sua casa a Terra. Ou estudar os movimentos certeiros da sua arte marcial, olhá-los de fora e procurar o aperfeiçoamento. Ou observar o seu adversário, familiazar-se com o medo que pode sentir e domá-lo, controlá-lo… extingui-los. Leve e ao mesmo tempo pesado, com respiração lenta, espaçada… esperando o ar entrar nos pulmões pois os pulmões já não precisavam de aspirar o ar. Coração quente, a bater baixo, forte, ritmado. Trouxe o “qi” ao centro da testa... Reparou novamente que o seu corpo se afundava no chão, deu atenção aos braços desarmados, às pernas rodadas para fora, à espádua na madeira, a nuca sobre um pano branco. Franziu o frontal deixando rugas e relaxando-o de seguida, mexeu os dedos da mão depois dos pés. Movimentou os punhos, os cotovelos, afastou os braços até as mãos se juntarem sobre a cabeça. Mexeu as pernas, inspirou profundamente, susteve 5 segundos e expirou com força o ar e o medo. Samurai não tem medo. A morte é parte do caminho que se faz com honra. O Homem vai, o seu nome fica honrado, permanecendo. Assim diz o Bushido… que para estes homens de Hojo é o caminho. Sentou-se. Olhou em redor a casa minimalista… com o essencial… com o mistério que o espaço e o seu silêncio oferecem.

Afastou a porta que dá para o centro da aldeia. Deteve-se como se a aldeia fosse sua. Olhou-a, respirou-a. Desceu os três degraus de madeira e aproximou-se da árvore de folha verde e redonda que tinha plantado à 7 meses. À 7 meses que treinava os seus golpes junto à pequena árvore. Depois no fim dos seus movimentos rotinados olhava-a à procura de novos brotos… passar da violência à sensibilidade de botânico é arte Samurai. As folhas eram escassas, bem como os seus ramos. Mantinha o cuidado da rega, esmagava qualquer insecto que identificasse e prosseguia meticulosamente a análise da superfície do tronco, ramos e folha.

Pela janela uma jovem olhava-o. Ele sabia, mas era impenetrável. Os samurais sabiam anular o desejo.

A rapariga tinha a respiração cortada, por um lado sufocada por paixão sem verbos ou palavra trocadas… só um sentido e os seus sonhos a deixavam assim. Por outro não seria bom que seu pai, o chefe da Aldeia e Mestre Samurai, soubesse que os planos de casamento que tinha para sua filha pudessem ser derrotados por uma paixoneta ridícula.

Se pensa o leitor que se trata de uma versão barata de Romeu e Julieta, desengana-se. Barata sim, versão número dois não.

O Clã Hojo tinha agora grande influência sobre outro Clã importante os Minamoto e estavam em Guerra declarada com o Clã Taira, família de grandes samurais que detinha o poder sobre grande parte da Terra do Sol Nascente. Nesta altura grandes batalhas se avizinhavam.

Numa noite de primavera, o jovem que plantou a árvore, regressado extenuado de uma batalha ali perto… caiu perto de sua casa, como que morrendo, sem se mexer e ganhando a forma do chão. Na Janela da casa em frente, empoleiravam-se os mesmos olhos de desejo e amor. A jovem sacudiu-se de casa, num relâmpago para tratar o corpo do jovem Samurai. Ninguém desconfiou. Sabia-se a esta altura que o ajuda a quem acudia era corajoso e batalhava com honra a lado do seu pai sem temer a dor ou a morte. Algumas feridas de guerra, muitas cicatrizes nos braços tonificados… mas sem haver gravidade nos ferimentos. Lambido o jovem tigre… a manhã primaveril desfolhou, inundou-se de perfumes fortes de corpos num só, envolvidos pelo barulho do silêncio que ninguém interrompia. Corpos entregues á paixão até ao desejo sair pela boca disparado numa expiração forçada. Madrugadas violetas se repetiram…

para nas manhãs os dois cuidarem da árvore e do jardim. Fora crescendo, brotava forte, folhas redondas e verdes davam sombra e venciam o sol.


Todos estavam focados nas grandes espadas de comprimento mais que suficiente para trespassar dois corpos. A aldeia mantinha-se calma… mas distraída com tanta violência e Guerra prometida. Os Taira aproximavam-se e o jovem e seu Mestre tiveram de agarrar os seus homens e partir para o seu caminho.


Uma Batalha… menos homens, duas batalhas mais sangue, três batalhas e mais corpos estropiados, quatro batalhas vencidas, cinco guerras sem piedade. Mas os Hojo estavam bem liderados… cansados mas determinados iam ceifando vidas a cada metro que avançam. O jovem a cada batalha se sentia mais forte, mais determinado, mais ágil. Era capaz de imaginar melhor o seu adversário e filmá-lo lentamente até o atingir. A cada golpe conseguido, as folhas da sua árvore ficavam avermelhadas, a cada batalha ganha surgia um novo corte na folha.


Já no Verão quente e ventoso o exército voltou à sua Aldeia. Em casa da jovem sentia-se a falta de seu pai… a privacidade antes exigida dava agora lugar a portas e janelas escancaradas. De tão cansado e preocupado com o andamento da Guerra contra os Taira, o Mestre e chefe da Aldeia ignorou a devassa e apenas exigiu solidão no Templo a buda que tinha instalado em sua casa à espera de encontrar as melhores soluções.


Abertas as portas do Verão e da Paixão… os corpos jovens consumiam-se em fogo e prazer. Em segredo maior a aventura… Passearam… conversaram e claro cuidaram da Árvore.


No último dia de Verão o calor aumentou e muito… uma secura trazida pelo vento sudeste nada comum por estas bandas. O sol torrava a pele dos aldeões que colhiam o arroz que estranhamente tinha atrasado a sua espiga…

O vento não trazia só calor… trouxe também as armas do Clã Taira que circundou a aldeia durante a noite. Para enfrentar o inimigo em circunstâncias justas, não houve surpresa. Anunciou-se a presença e solicitou-se o duelo, não há lugar a cobardias, nem deslealdades por estas Terras. Mulheres e crianças abandonaram calmamente a Aldeia e dirigiram-se para cidade.


Os olhos dos nossos dois jovens prenderam-se, fitando-se até os pescoços não poderem rodarem mais. Podia ser hoje o último dia violeta, o ultimo dia de verão.


A batalha foi dura e violeta… não interessa descrever aqui decapitações ou desmembramentos… Guerra é violenta, má e cruel de qualquer maneira. Imagine o leitor, se assim o desejar, qual o resultado quando estão frente a frente dois exércitos de guerreiros cultos, treinados, honrados e que preferem a morte à derrota.


Até ao fim do dia… o vento foi aumentando como o número de corpos sobre o chão. Até ao fim não se adivinhava vencedor… sobravam poucos homens e nenhuns ficaram quando o nosso jovem repetiu ao mesmo tempo um ataque simétrico ao do seu opositor. O Golpe atingiu o estômago de um e de outro… morte lenta que este órgão dá. Golpes iguais na sua velocidade, estilo e anatomia… mas só a viagem do jovem foi diferente… pois à frente dos seus olhos a sua árvore ficou com as folhas rubras… ganharam o sexto corte… com um tronco forte e raízes que se agarraram à terra com toda a força. A árvore chorou todas as suas folhas que secaram a cada fôlego do seu jardineiro…morreu à noite já no Outono.


Na Primavera seguinte os aldeões regressaram à aldeia e com eles a rapariga filha do Mestre Samurai e amante do nosso rapaz que se fez homem ao longo desta pequena história como vimos. Levou água à árvore, cuidou-lhe o solo, devolveu-lhe ar às raízes e esta ganhou vida devolvendo a memória das seis batalhas vencidas por seu pai e sua paixão.


Por isto o Acer Palmatum tem a folha vermelha sobre um verde escondido, suave ao toque, delicada, recortada, dividida em seis e perde a sua folha no sol excessivo, no vento quente ou na seca permanente. A cada Outono perderá a sua folha ganhando vida na Primavera seguinte.


terça-feira, 7 de maio de 2013

Citrus x sinensis - uma laranjeira vinda da china

Reino: Plantae
 Divisão: Magnoliophyta
 Classe: Magnoliopsida
ordem: Sapindales
 Família: Rutaceae
 Género: Citrus
 Espécie: C. Maxima x C. Reticulata
 citrus sinensis

16.6.14 Deixo os ramos alongarem para engrossarem e ganharem conocidade. Na procura de conferir mais movimento ao tronco, eliminei um ramo, que permitia desenhar um Hokidachi. Agora deparo-me com dificuldades em conseguir proporções entre a largura da base e a altura. A altura está longe da proporção de 1/3 da base e mais longe ainda de 2/3. Por outro lado, não há movimento inicialmente. 



Uma Laranjeira vinda da China



Reza a lenda que...

tinham deixado à largos dias o Sião, seu sultão e seu povo nos seus estranhos costumes e modos de estar. A tripulação a mando de Jorge Alvares, seguia tão confusa quanto encantada com uma gente tão consistente e impenetrável na sua identidade. Jorge Álvares tornou a sentir o balanço da carraca de velas já cansadas e rasgadas de sol, mar e de tanto sal. Mas o que lhe enviesava a visão e a vertical do seu baixo corpo era o medo e respeito que aquele imenso e disciplinado exército lhe fez novamente sentir, com homens a comandar homens e homens a comandar elefantes que desfilavam de uma forma tão sincronizada que parecia tratar-se de um jogo de espelhos. Pensou para si próprio que lhe valia a coragem e dedicação dos seus homens, caso contrário estaria já esmagado nas profundezas do mar ou da terra.

Ao seu lado Carlos Fonte analisava permanentemente os movimentos que rodeavam os três mastros da embarcação. Desde que tinham levantado ferro do Sião tinha notado o seu comandante mais calado e reflexivo. Nem desconfiava que o medo lhe tinha passado de raspão na pele, pensava que estaria mais preocupado com as difíceis negociações que se conseguiam estabelecer com estes povos de olhos estreitos.
Interrompeu as indagações que fazia sem voz, porque se iniciava uma discussão no porão. Ao sons das vozes altas de marinheiros a arregaçar as mangas para o que desse e viesse, desceu rapidamente a escadaria e com um grito tudo se pôs em sentido menos os dois homens que se pavoneavam com peitos altos e empurrões. Era novamente Ricardo Freitas... um jovem que embarcou em silêncio e que a cada onda se julgava capaz de contornar o Boa Esperança sozinho num barco a remos. Desta vez, arranjou maneira de roubar umas castanhas ao pobre João Pequeno que em alto mar só metia respeito à passarada que por vezes aterrava no convés.

Carlos Fonte desistiu de determinar nova limpeza do convés a Ricardo Freitas... seria meia légua para novo trinta e um. Determinou assim que ficaria a bordo, quando Jorge Alvares pisasse terra firme.
Terra que não tardou muito a encontrar... pois do Sião ao Rio da Pérola a Costa está sempre bombordo. A Terra estava rasgada, esventrada em forma de Delta Rio que se confundia com um mar.

Os quatro jesuítas João, Tomé, Joaquim, José desenharam com o polegar a cruz de cristo na testa.
José perguntou a Tomé se João não deveria ficar a bordo, atendendo ao seu número reduzido de rezas que não poderiam ser as suficientes devido à idade para completar tão difícil missão. Tomé responde que a missão que traziam para espalhar a mensagem do Senhor, custasse o que custasse, seria mais fácil com mais missionários em Terra, do que com missionários a contar gaivotas a partir do convés ou a gastar latim, que era já uma língua tão morta para os marinheiros quanto a vontade de rezar.

João estava entusiasmado por poder cumprir os destinos que o Senhor lhe foi segredando aos ouvidos e ao mesmo estudar os costumes daquelas gentes, conhecer-lhes os ritos e tradições a fim de lhes dar um significado mais cristão... - assim como a história do ovo da Páscoa e seu coelho?! Mal contada a história... mas lá pegou e mais histórias haverão para contar sobre estas santas artimanhas. - Comentava justamente estas vontades com Joaquim que vinha desiludido e desencorajado do Sião, terra onde não admitiram ingerências papais, nas energias equilibradas da natureza e seus respectivos Deuses.

O tempo era quente e húmido... mesmo assim um pouco mais fresco que em Terras mais a Sul. A Carraca foi descobrindo o Delta e Jorge Alvares decidiu atracar numa Península que se transformava num bom-porto natural. Na Baía de Á-Ma onde avistaram uma cidade à ponta da península, a carraca feita também com Quercus descansou finalmente as suas madeiras lusitanas.

Jorge Alvares ordenou que se prepara-se as oferendas para os indígenas que ameaçavam ser tão ou mais existentes que os vizinhos de baixo. Carlos Fonte acautelou o seu pedido verificando sobretudo a quantidade e a qualidade da mercadoria que seria oferecida. Os missionários rezaram pela ultima vez a bordo, pedindo ao Senhor que os acompanhasse... - pergunto-me para quê, se o Senhor está em todo o lado... mesmo no fim do mundo ele lá estará a acompanhar-nos... enfim ritos... - Já Ricardo Freitas movimentava-se como um tigre enjaulado, fitando Carlos Fonte de soslaio que apenas com um abanar de cabeça e olhar fixo nada hesitante lhe dizia... "não rapazinho, tu ficas, tu vais ficar.". Veremos se a irreverência de Ricardo não é suficiente para arriscar uma aventura em Terras desconhecidas, por uma refeição farta ou uma mulher rendida à sua juventude.

Toda a cidade parou quando avistou a nau... claro que já esperavam esta gente de olhos redondos, que só pela sua presença já estavam a incomodar na Índia e no Sião. As palavras são certamente mais rápidas que o vento... e se é o vento que sopra as velas empurrando a madeira cuja quilha rasga o mar naturalmente que os chineses tinham descoberto primeiro os portugueses do que o contrário. Mas a bem do orgulho nacional, deixemos os êxitos e créditos cartográficos a quem de direito.

A pacata cidade que se envolvia na sua Natureza envolvente como que nela mergulhada, ficou no entanto apreensiva e em silêncio, preparou com o conselho do governador, também um conjunto de oferendas aos forasteiros. Preparou-lhes estadia, que desejava curta, no seu palácio.
A seu lado o Governador tinha o seu conselheiro militar e um conselho espiritual um velho, de bigode fino sobre o lábio superior e uma pêra em forma de ponta de lança a apontar para o chão. Vestia um traje comprido com mangas que lhe escondia as mãos de sábio. Não era o seu corpo firme e postura correta que permitia adivinhar-lhe a idade, era a sua pele marcada pelas rugas e o seu olhar já cansado de conhecer o Homem. O Governador... fez uma pergunta: Recebemos esta gente na nossa cidade? Para quê? O velho respondeu numa frase "Há que esperar o inesperado e aceitar o inaceitável" E os três mergulharam no eco destas palavras e no silêncio daquelas paredes.

De forma espontânea formou-se um corredor ladeado por locais, curiosos por vislumbrar gentes de outras paragens. Assim que Jorge Alvares e Carlos Fonte pisaram aquela terra... os dedos dos indígenas aproximaram-se do nariz. Conceitos de higiene antagónicos é certo... mas o número de dentes na boca parecia dar um empate, nada melhor que arranjar um ponto comum para encetar uma relação.
Jorge Alvares, Carlos Fonte e outros sete marinheiros que carregavam a mercadoria eram seguidos pelos missionários que formavam uma fila, sempre em último e devagar como quem não quer nada dali. Lá avançavam pelo corredor que se formava até ao palácio sem esforço, mas a espreitar qualquer movimento que pudesse trazer violência .

O conselheiro espiritual do governador fez apenas um pedido... deixai-os provar "cheng". Para fazer negócio? perguntou o governador. Não, para os conhecer - respondeu o velho assim... sem ponto final.
Na sala onde os portugueses foram recebidos, encontravam-se guardas a decorar as paredes mais compridas da sala rectangular, separados milimetricamente à mesma distância, dispostos na mesma posição e armados com espadas que faziam engolir em seco. Em gestos e mímicas... lá se se compreendeu que os Chineses ali mandavam e pretendiam continuar a mandar, ganhavam e iriam continuar a mandar e ao que parece as coisas não mudaram muito. Depreende-se portanto que os gestos não terão sido totalmente amistosos. Foram sempre sobranceiros e altivos, não muito diferente do que aconteceu no Sião.

Desconfio que com estes mesmos gestos de tradução empírica tivessem convidado à prova dos frutos laranja. Hesitaram os marinheiros supondo um possível envenenamento... Jorge Alvares... avançou sem medo com um passo de líder nato. Mas Carlos Fonte segurou-o com punho forte pelo cotovelo e olhou para um dos seus homens como que apontando e disse: Manuel... avança come aquilo. O homem franzino avançou a medo. Se fosse no meu tempo pensaria que era uma roleta russa, cinquenta cinquenta, fifty fifty, mas como ainda não havia revolveres na sua imaginação, apenas pediu que o Senhor estivesse com ele.
À sua frente uma cesta com laranjas... laranjas... Em Portugal ainda não se pronunciaria tal nome de cor... de laranja.

Um homem que estava à frente das oferendas, pegou numa laranja:
- Cheng, Cheng, Narhang! - exclamou o criado encorajando o homem baixo, com barba por fazer e lábios gretados vindos de todos os ares do Oceano. Hesitou em aceitar o fruto. O homem de pele mestiça ainda jovem, com a cabeça tão lisa como a face, insistiu esticando o cotovelo com a laranja quase tocando o marinheiro e assentindo com a cabeça acompanhando o gesto com um sorriso que se traduzia num 'vá podes confiar, prova.'
O Manuel, marinheiro de vários Oceanos receou morrer asfixiado com os olhos a saltar das órbitas. Fechou os olhos e com boca aberta de coragem rasgou dois gomos ao meio, o sumo ácido e doce ardeu-lhe nas fendas da mucosa e de seguida escapou-se pelo canto da boca, mais devagar pelo queixo dançando a aguadilha nos pêlos da barba até manchar a gola branca suja da sua camisa mal arranjada e revirada pelo vento na esperança de encontrar rápida as mãos e o cuidado da sua mulher.
- Cheng, Cheng? nharang! nharang? - esperando a aprovação daquele estranho.
- Laranj? laranja... é bom senhor! - voltando a trincar com paixão o fruto... que o seu corpo pediu como uma forte tentação... Gotas grossas caíram no chão... por todo o lado a mão esquerda pegou noutra laranja ainda não tinha terminado a primeira. O Conselheiro do Imperador deu passos vagorosos na direcção do banquete. Não retirou os olhos do chão, nem as mãos saíram debaixo das longas mangas. Observou as gotas no chão e virou as costas aos portugueses. No mesmo passo de convento, passou pelo Governador murmurando para que o outro ouvisse "Tentação e desequilíbrio, não haverá famílias em paz" e abandonou a sala. O imperador não hesitou. A tarefa estava cumprida e a opinião do Conselheiro foi só um empurram na sua vontade. Negociar e desejar os estranhos no caminho de volta.
Mandou retirar os forasteiros da sala e acomodá-los nos seus aposentos. Não for precisos mais gestos, todos ficaram a saber que no dia seguinte Jorge Alvares se encontraria para negociar as mercadorias e a estadia seria curta.
Os Jesuítas tentaram ser recebidos e ouvidos... insistiram para entrar de "mansinho", mas não foram aceites, talvez porque no Sião não deixaram boa fama. Os Homens do Senhor saíram em fúria através de um jardim e Joaquim... o feroz missionário num golpe digno de Baal Zebul precipitou um pontapé num laranjeira de médio porte quebrando o seu tronco ao meio. A ponta ficou aguçada em direcção à morada de Deus a indicar o caminho que os Santos devem levar. João o Missionário mais novo deixou-se ficar pelo jardim minimalista a observar plantas e a estudar quem passava para que os seus registos fossem dignos do que os seus olhos viam.

Ricardo Freitas ainda não descansava mesmo depois do sol se ter mandado para lá do horizonte. Veio até ao convés... ainda conseguia perceber a silhueta da cidade, da montanha... de uma mulher. O vento trouxe-lhe um perfume nunca antes sentido... as laranjeiras estavam em Flor e se ele soubesse a sua imagem, teria imaginado a mulher em lençóis brancos como as suas pétalas. Decidiu ir a Terra. Rompeu outra vez as regras... e quando vamos noutra vez é porque já houve primeira e portanto é um hábito... um costume... algo que se repetirá e repete até que o sentimento de culpa se vai desvanecendo. Na cidade... andou mais na penumbra, mais escondido pelas sombras sem dar nas vistas. Para se ser livre, não se pode ser estúpido.
Ao longe viu uma mulher, branca, elegante com um perfume igual ao que o vento lhe trouxe. Queria ver-lhe a face escondida por entre os ombros e passos curtos e rápidos. Porquê? feitiço? não sei. Seguiu-a... a rua foi alargando depois estreitando novamente, entrou por um portão consideravelmente grande e ouviu outros passos pesados, parou a perseguição. Quando os quatro pés se deixaram de ouvir deparou-se com o portão fechado. A curiosidade de Ricardo era veloz. Ignorou o perigo, pôs Carlos Fonte e Jorge Alvares no bolso... encontrou uma trepadeira junto ao muro que contornava a grande residência e não era muito alto e venceu-o com astúcia. Um jardim vazio... mas um jardim. Um jardim que tinha poucos esconderijos mas alguns. Poucas plantas mas tinha tudo o que um Jardim precisa para ser belo. Viu a mulher passar por um caminho estreito, desenhado com calhaus rolados brancos... inspirou fundo... outra vez o perfume da laranjeira. Perdeu a cabeça, arriscou e correu...

A seguir ao sétimo passo o perfume intensificou-se... parou no ar entrou-lhe pelas narinas e empurrou todas as costelas para fora. Ele sufocou, parou. Colocou as mãos sobre os joelhos sem ar, sem força... A mulher voltou-se para trás num instante. Era muito bonita, a pele macia, os traços subtis dos olhos rasgados, uns lábios rubros e um cabelo escuro e liso. Uma cara atraente, exótica. Ricardo quis falar... mas a mulher colocou-lhe a mão sobre o peito, como quem pede para não dizer nada.

RICARDO! gritou João o jovem missionário que ainda por ali analisava o jardim fazendo apontamentos para botânica. RICARDO! e correndo para o jovem. João assustado... em pânico...

Outra vez o perfume invadiu Ricardo quando os seus olhos deixaram João e fitaram novamente a mulher. Perdeu-a com um contraluz forte, perdeu também o equilíbrio... deu um passo atrás afastando-se da mão feminina ensanguentada... uma seta perfurou-lhe o peito e subjugou-o de joelhos. As pedras brancas tornaram-se rubras... RICARDO! E outro vazio... no som. Guardas aproximaram-se com os gritos de João... correram para ele empurrando-o para o deitar sobre o solo mas a queda fora sobre o tronco de laranjeira que Joaquim quebrou com Ira, trespassando-lhe o tronco.
As pedras brancas... tornaram-se rubras e assim ficarão.

Na manhã seguinte a tripulação portuguesa recebeu um vaso com uma estaca de laranjeira, Ricardo e João tinham atacado a mulher do Governador e sofreram as consequências. Não havia em Jorge Alvares loucura que desse marcha à revolta e vingança. Não houve negócio. Por ordem do Governador voltaram compulsivamente para a sua Nau com destino traçado... A laranjeira brotou forte... e chegou a Portugal carregada de laranjas... em Hindi Nharang... em chinês Cheng. Talvez por isto a Laranja nos caia no estômago tão mal em horas tardias... tal como caíram Ricardo e João. Por 1513 sabe-se que dois jesuítas morreram na Península de À-Ma Gao (Baía de Á-Ma Deusa do Ceú protectora dos pescadores e marinheiros)... aqui se fica a saber que um era missionário, outro marinheiro. Assim reza a lenda...

Por todo o mediterrâneo se espalhou a laranjeira, uma árvore híbrida resultante do pomelo (citrus maxima) e da tangerina (citrus reticulada) que terá tido a sua origem na China ou Sudeste Asiático. Por isto em alguns destes Países do Sul da Europa... Laranja pronuncia-se em grego - portokali em turco - portakal, em romeno é portocala e portogalloem diferentes dialectos italianos.
Mas só em Portugal a laranja de manhã é ouro, à tarde prata e à noite mata.