Páginas

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Prunus Dulcis - A lenda atrás da amendoeira


Reino: Plantae
 Divisão: Magnoliophyta
 Ordem: Rosales
 Família: Rosaceae
 Sub-família: Prunoideae
 Género: Prunus
 Sub-género: Amygdalus
 Espécie: Prunus Dulcis
 Nome comum: Amendoeira

28.12.2013. origem Yamadori. 2 anos em vaso. primeira poda, eliminando-se um ramo orientado verticalmente.





 O dia estava calmo. O vento libertava o espelho líquido do Arade. Os pólens aromatizavam o ar, de Primavera fresca. O reflexo na água, da frondosa copa da Amendoeira em flor, permanecia como num sonho. Aproximou-se um rapaz elegante, que o Rio conhecia bem. A amendoeira. O rapaz sentado agarrando os joelhos, contemplavam o rio. Uma brisa de sul, contrariou a corrente e a imagem do espelho transformou-se numa tela impressionista. Ficou o vulto de um abraço de dois rapazes, rodeados de tons rosados que compunham a árvore e o gesto. O segredo deste retrato, tantas vezes repetido, ficou guardado nas flores brancas, ligeiramente rosadas daquela Amendoeira.
 Ficando segredo, ficou no passado.

 Hoje os Rios do Norte da península levam outra cor, mais pesada. São rios rubros, dos avanços e recuos dos califados árabes. Dos homens no chão, das feridas abertas, do vazio da Guerra. Do pó da destruição, das cinzas da escuridão. No escuro da assombração regressou Al'Mutamid, da recém conquistada Murcia. No silêncio do pesadelo, nos labirintos dos dilemas do Homem e de Deus. Na fadiga da maldade, regressava fingido-se homem, depois engolir vidas como um animal. Morria por dentro, com sede de paz.
Ibn Ammar, agora seu conselheiro, regressava revigorado, forte, convicto, sem remorsos. Sentimento de dever cumprido, para com Alá, para com o povo Árabe. Fizeram a viagem, com os cavalos lado a lado, mas em margens opostas. Por isso não se congratularam, não se falaram, nem tão pouco se olharam.Na frieza de um olhar, não penetram palavras.

 Chegaram a Shelbs, foram saudados pelas suas vitórias. Desligaram-se de seguida, durante vinte e dois dias.

 Logo no primeiro destes vinte e dois dias, Al Mutamid escreveu sem cessar, poesia na pressa de chegar à paz da Amendoeira em Flor. Escreveu sobre amor, sobre a natureza que contemplava, sobre a sua cidade. Julgou a guerra, desejou nunca mais voltar à batalha. Queria a partir dali, apenas amar, aprender e criar. Queria a sua mãe e voltar a ser criança de colo. Queria passear pelo Arade e recriá-lo na sua cidade. Após onze dias e onze noites a escrever, entregou-se à cidade, ao rio e à Serra. Bebeu o dia e a noite, embriagando-se de conversas com desconhecidos. Na ultima noite um dos seus militares disse que na Masmorra, vinda de Murcia, estava presa uma princesa de cabelos de trigo, pele de amêndoa e olhos de mar.

Ibn Ammar, descansou na primeira noite. E retomou a política no dia seguinte. Escreveu as boas novas ao califado de Marrocos, descreveu as vitórias e planeou defesas e novos ataques. Sentia que deveria ser ele o Califa, mas servia quem amava o que lhe tranquilizava a ambição. É quando o amor vence o egoísmo. E ser feliz, é fazer feliz quem se ama, para se ser feliz.

 Na manhã seguinte Al Mutamid levantou-se em paz. Não soube porquê, mas vestiu-se muito bem. Queria dar uma impressão de paz e reconciliação à princesa que ia visitar. Desceu à Masmorra, escura e humida. O cheiro nauseabundo, fê-lo mergulhar nas águas rubras, de homens trespassados. Cambaleou num tontura de terror, contra uma e outra parede. Sentiu uma flecha no peito, que lhe sugou o ar e caiu de joelhos. A luz azulada dos olhos de Gilda acordaram-no. Tinha caído diante da mulher, que iluminava a cela. Ficaram suspensos no olhar um do outro. Procuraram-se no olhar. Questionaram-se sem abrir boca. O califa mandou abrir a cela. "A prisão não é lugar para a realeza". E levou Gilda para os seus aposentos. Conversaram sobre a Guerra, sobre costumes e tradições. Apresentaram-se na simplicidade e vulnerabilidade dos sentimentos intimos e valores por os quais se queriam reger. Despediram-se. Dormiram presos ao serão.

Nos dias que se seguiram, Gilda conheceu a cidade, o Arade, Estômbar e arredores. Passearam, conversaram e enamoraram-se. Quando o Sol estava a pique, o Arade preso às raízes daquela Amendoeira, viu um abraço reflectido nas águas confundido-se com um tronco do passado. Mas desta vez, não se guardou segredo. O reflexo do homem moreno, abraçando uma mulher com a pele da cor da neve, levou o suspiro do Inverno aos ouvidos da cidade.

Ao vigésimo segundo dia depois da sua chegada, Ibn Ammar e Al Mutamid voltaram a encontrar-se. Foi Ammar que solicitou a audiência ao Rei Poeta, a propósito de avanços de formação de milícias lusitanas no norte da península. Pediu homens para a batalha. Negado. Questionou o Rei se sabia o que estava a fazer. O Rei respondeu, que estava a fazer o contrário, que queriam que fizesse. E o que era? A Guerra. Ammar alegou que o Rei era cobarde. Mutamid sublinhou que não há prosperidade sem paz, assim como não há felicidade sem amor. O Rei quererá falar de amor? Perguntou Ammar. Quererá falar de Gilda? Amar o inimigo? Uma mulher? E nós? Al'Mutamid levantou-se estendeu os bracços ao seu fiel amigo e compnheiro desde sempre. Ammar voltou costas, retirou-se sem palavra. Estava perdido em ciúme, um degrau para o precipício da sua ambição. Derrubar Al'Mutamid passou a ser a sua obssessão. Anunciou a relação do Rei com uma católica, aos outros califados. Adjectivou-o de incompetente e cobarde.
 Al'Mutamid no meio da turbulência quis proteger Gilda, aproximaram-se cada vez mais. Amaram-se de dia e de noite. Al'Mutammid passou a ter uma rainha, sem o ser. E permaneceu, contra tudo e todos. Geriu a cidade com competência, cultivando mentes no sentido da transcendência. A conspiração desvaneceu-se.

 Ibn afastou-se. Deixou Shelbs, regressou e instalou-se em Estômbar. Regressou àquela Amendoeira, mas nem o tempo, nem a água do rio voltaram para trás. Manteve uma pressão grande sobre o Rei e Gilda. A sua vida passou a ser o meandro entre sua casa e aquela amendoeira. Passou-se o Outono e veio o vazio do Inverno. Soube-se em Estômbar que Gilda estava doente. Ibn reagiu a quem lhe deu a notícia. "que tenho eu com isso?" Mas não ficou indiferente. Até porque desejava ver Al'Mutamid. Talvez até abraçá-lo, porque o perdão dá-se em silêncio.
 Decidiu ir. Passou pela Amendoeira nua de folhas. Com as folhas caídas renovou-se. Aceitou uma nova etapa, uma nova jornada. A cada folha caída, uma queda do ódio, da inveja, da vingança. Baixou os braços, para voltar à poesia.
Quando chegou aos aposentos reais, Al'Mutamid correu para os seus braços para aquele abraço em Flor. Gilda perecia no leito, gemendo, suando, com os olhos em neve. O Rei acariciava passava-lhe um turco húmido e fresco pela testa, face e pescoço. Tinha-se dedicado a estes cuidados, desde que a princesa nórdica adoeceu. Ao obervar o seu Rei a cuidar da mulher, Ammar aproximou-se,inclinou-se até ao ouvido de Mutamid e segredou "Isso é doença de neve. Adeus, encontramo-nos na Primavera." E saiu, sem mais gestos.

Desapareceu. Populares dizem que abraçou a antiga Amendoeira, beijou um cacho de gomos de Flor e invandiu o Arade misturando-se no seu estado Líquido.

Al'Mutamid da sua varanda, mandou plantar Amendoeiras em redor do Castelo, descendo as colina. O final do Inverno e o inicio da Primavera, ofereceram um manto branco de neve a Gilda. Que ganhou forças, através da memória do seu lugar. Salvou-se. Ammar não mais se viu.

Saberá a amendoeira, se Al'Mutammid ofereceu as suas Flores à saudade por Ibn ou ao amor a Gilda. Não arriscaria. Todos os amores merecem.

Um abraço debaixo de uma Amendoeira, é um segredo para a vida. Não digas a ninguém.


em flor 9.1.2014













Sem comentários:

Enviar um comentário