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sábado, 13 de julho de 2013

capsicum frutescens - Malagueta. Arder.

Reino: Plantae
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Magnoliopsida
Ordem: Solanales
Família: Solanaceae
Género: Capsicum
Espécie: Capsicum frutescens


Poda a 21.10.13, seguidamente adubada.

Arder


Numa encruzilhada que dava acesso a um loteamentos de vivendas geminadas, encontravam-se dois carros. Um deles era um renault espace metalizado, o outro tratava-se de um Volkswagen scirocco azul. O primeiro era conduzido por um homem jovem, de cabelo negro com duas grandes entradas, barba por fazer há três dias, a cobrir a cara redonda, olhos castanhos com a esclerótica raiada com pequenos vasos sanguíneos a fazerem adivinhar cansaço. O mesmo cansaço confirmava-se pelas olheiras arroxeadas e pela postura mole ao volante. Não era um homem gordo, mas também não se poderia considerar magro. Apresentava já acumulação de gordura no abdómen, o que a par de uma má tonificação muscular adivinhava-se uma pobre figura com o passar de poucos anos. Não levava muita vontade de chegar a casa, depois de um dia de trabalho pouco interessante, em frente a um computador. Quando chegasse iria certamente despir o pólo azul escuro e descalçar os ténis e as meias negras. Deixaria apenas os calções brancos com quadrados azuis, enquanto ia ao frigorífico roubar uma cerveja em lata. No segundo carro encontrava-se a antítese. Gel no cabelo claro puxado para trás, óculos escuros à frente de dois olhos verdes. Face leve, magra, não fosse a hora poente diria que tinha acabado de colocar o after-shave. Fresco. Confiante. A sua camisa lilás e calças de tecido pretas agitavam-se com a deslocação do ar e com os movimentos de corpo equilibrado ao som da música que saía pela janela do desportivo e invadia qualquer casa com uma janela aberta.

Vinham em direcções contrárias mas o seu rumo a partir dali seria o mesmo. Sinalizaram viragem para Sul deixando a estada principal, mas nem por isso mais movimentada. Apesar de ter prioridade o homem do renault, aproveitando o vidro em baixo da sua porta, fez sinal com a mão esquerda para o seu vizinho passar. Numa dinâmica mais veraneante o homem de cabelo claro, agradeceu e acelerou.

A estrada de alcatrão, deixou de o ser poucos metros mais à frente. Um automatismo do quotidiano passava por abrandar a velocidade e subir os vidros para que o interior do veículo não fosse invadido pelo pó da estrada esburacada. O homem de cabelo claro chegava airoso, sem levantar muito pó, com suavidade e estilo. Deixava o carro à entrada da garagem. O jovem que chegava cansado, não alterava muito a sua velocidade, nem tão pouco arrumava o carro. Simplesmente o encostava ao passeio e puxava com brusquidão o travão de mão, levantando atrás de si ruído de pneus a deslizarem na terra e uma núvem de pó.

O homem de olhos cansados entrou em casa, não procurou a sua companheira. Já sabia que estava no quintal. Estava aliás, sempre no quintal. Uma certeza igual ao facto de saber que iria despir o pólo, exibindo o seu peito cabeludo, descalçar-se e procurar uma cerveja. Depois mergulharia na rotina, ligar o desktop no escritório desarrumado, apagar e-mails de publicidade e olhar a melhor vida dos seus amigos. Ao menos os seus amigos tinham-se safado e conseguido uma boa vida. Não se importaria este jovem, que alguma amiga sua de infância lhe enviasse uma foto, ou lhe colocasse a pergunta: "então?! há quanto tempo?! como vai a vidinha? o que é feito de ti?" . E a conversa se esgueirar de mansinho para um jogo de sedução silencioso. Seria o suficiente para aquecer um pouco a sua vida, mas não acontecendo também não tinha vontade de procurar lenha onde se queimar.
 A sua esposa estava realmente no quintal, a tratar dos canteiros de flores e ervas aromáticas. Encontrava-se de cócoras e levantou-se quando ouviu os dois carros a chegar. Sim, os dois. Sabia que acabara de chegar o seu marido e o seu vizinho. Ergueu-se pelo cansaço e desconforto de permanecer por algum tempo agachada, a tratar das plantas. A mulher tinha cabelos compridos pretos, que caiam até abaixo das omoplatas. Apesar de jovem observavam-se alguns brancos. O cabelo nào estava cuidado e longe de estar brilhante. Um risco ao meio bem marcado, enviava parte do cabelo para um lado e outra metade para o outro. De tão marcado este penteado, de certeza que vinha da infância ou adolescência e ainda não tinha sido mudado. Tinha sobrancelhas carregadas, olhos tristes, face magra a rodear uma boca larga com lábios grossos mas pálidos. Era uma cara com uma expressào vazia, ás vezes triste. Sim, triste sobretudo quando notou que o seu marido não a veio cumprimentar. Os ombros magros rodavam-se para a frente, escondendo o peito generoso. Notavam-se as costelas por baixo da camisa de alças verde, debotada por várias lavagens. Uns calções brancos curtos, mostravam as coxas afastadas pela magreza mas bem torneadas. Os joelhos estavam isolados, a ligar ás pernas e aos pés calçados com chinelos de borracha brancos.

Os muros do quintal eram baixos. Não era bonito o quintal do casal. Tinham um empedrado claro que esbarrava com um pequeno murinho de dez centímetros pintado de branco, que desenhava um comprido canteiro ao longo do perímetro do muro que separava o terreno. À frente era a casa do vizinho do carro desportivo. Ela estava a observá-lo, enquanto ele passeava pela casa ao telefone. Podia estudá-lo porque a casa em estilo minimalista, oferecia um vidro com janelas de alto abaixo a toda a largura do quintal. Do outro lado, o quintal estava ajardinado, tinha relva em toda a área, um grelhador a carvão num canto e uma mesa de refeição em madeira lá perto.
 A mulher entristeceu ainda mais. Olhou a Capsicum frutescens que estava à sua frente, de folha escura bem desenhada, com frutos amarelos e vermelhos a darem-lhe fogosidade.

Foi ali que Ana ardeu. Sim, foi ali exactamente. Há um ano atrás. O Fernando saiu para o Porto, muito entusiasmado por sinal, durante cinco dias. Foi a uma feira de informática, levou consigo os melhores fatos. Ia em representação da empresa. Soube-se no regresso que nenhum negócio surgiu, perdeu. Há trezentos e sessenta e cinco dias atrás, Fernando perdeu tudo sem saber.
Guilherme entrou no bairro a toda a velocidade. Com Pearl Jam em alto e bom som. Saiu do carro ainda a curtir a boa música, fazendo o gesto de goleador e a rodopiar sobre si próprio. Acabara de ganhar um prémio e ser promovido a gerente. Venceu. Há dias assim, em que parece que ficamos mais altos. Mas é apenas, uma percepção alterada, cuidado. Foi à cozinha. Preparou um Martini. Olhou em frente através do vidro e lá estava a vizinha a observá-lo com um chapéu de palha ridículo por cima da figura que já conhecemos. Então... autorizou-se. O dia era seu! Preparou outro Martini e escolheu duas garrafas de verde para pôr no frio. Assim fez. Saiu para o quintal, com dois copos nas mãos. Não havia desnível entre as moradias. Portanto quanto mais se aproximava de Ana, mas fácil era adivinhar ou supor o que estava a fazer. A jovem, Manteve-se quieta, diante das malaguetas, com os braços caídos ao longo do corpo. Mão esquerda com luva de jardinagem e a direita com um ancinho. Ali ficou que nem uma estaca, presa ao chão. Congelada pela certeza de que o seu vizinho, ia falar com ela. O nervosismo estancou os seus movimentos.

- Olá vizinha, desculpe incomodar. como está?
 - Bem. - e foi só isso que lhe saiu pela boca.
- Estou a festejar um bom momento, deixe-me oferecer-lhe uma bebida para não comemorar sozinho. Ana sorriu e estendeu o braço. Deu um gole na bebida sem respirar e sem saborear. Um silêncio embaraçoso. Esperavam-se mais palavras da mulge. O rapaz olhou o arbusto... e não se sabe porque lá arrancou um trunfo:
 -aaaaahhhh! Tem uma Capsicum Frutencens. Gosta de calor porque é originária das caraíbas. Foi Cristôvão Colombo que trouxe a planta, que como era parecida com a pimenta da guiné também chamada de malagueta, passou a ser conhecida como malagueta.
 -Sim? Não sei. Mas aqui tem-se dado bem.
 -Com a vizinha a cuidar das plantas, elas só têm de estar bem...

E é aqui que Guilherme oferece a malagueta e Ana aceita-a. Nada mais havia a fazer, não havia passo atrás. Ana foi convidada a dar a volta e entrar na casa de Guilherme. Em tons brancos e pretos, com salpicos de louças e telas verdes claras. Um vazio sedutor. Partilharam as duas garrafas de vinho. Conversaram na cozinha em estilo antigo, petiscaram o que havia para comer no momento sem mais demoras e sem perder tempo. Despiram as suas vidas em palavras. Tornaram-se cúmplices.

No meio de uma gargalhada a mão de Guilherme, passeou a coxa de Ana. Os calções curtos, brancos, nada podiam fazer. Não podiam aumentar. E Ana petrificou em picante vermelho, que lhe subiu à face. E quando a língua de Guilherme invadiu a boca da mulher, enrolando-se na sua língua, Ana ardeu. O seu corpo quis apagar o fogo, começou a suar, a afastar-se devagar. Passos pequenos para trás, mas o fogo continuava a avançar. E cercou a Ana,quando a sua cintura embateu na bancada de cozinha e Guilherme a levantou a colo ligeiramente e a deixou sentada sobre a banca. Rendeu-se. Ana foi no fogo. Abraçou-o devolveu-lhe a língua e a pele e o corpo todo.E incendiaram-se ali e consumiram-se na sala e arderam até ás cinzas no quarto.

Desde há um ano que o picante e o ardor de ferida na boca chega à mesma hora para Ana. E a sua consciência continua cercada pelo fogo que a paralisa e lhe perpetua a angustia. Assim é a paixão, é fogo preso. A traição suas cinzas. E não sabe agora como voltar à frescura de um amor livre e vivido em paz.

 Paixão é o vermelho de malagueta. Amor é azul de mar.

 No ecrã do computador surgiu a mensagem:

"Olá Fernando! Há quanto tempo? Sou eu a Rita. Que tal vai a vidinha?"
















































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