A filosofia Grega, terá sido pioneira
no tratamento das questões relacionadas com o ser humano. Os Gregos terão considerado o
corpo ao serviço da alma, alma essa que era pensada como um elemento, neste
caso o fogo.
Hipócrates foi um dualista, que admitia que o cérebro era o intérprete da consciência, controlava os membros, e era um mensageiro da consciência (Eccles, 1989).
Hipócrates foi um dualista, que admitia que o cérebro era o intérprete da consciência, controlava os membros, e era um mensageiro da consciência (Eccles, 1989).
Foi a cultura helénica que
influenciou o espírito renascentista, e na área da ginástica esse facto também
se verificou. Os ideais gregos, tal como os renascentistas, fundamentavam-se
sobre a formação corporal, intelectual e moral do ser humano. O ser humano à semelhança de Deus tanto no
aspecto mental como no aspecto físico, pretendia-se o ser humano perfeito. A
ginástica grega constituía para além de uma disciplina de educação, uma forma
de transmitir saúde e bem-estar.
Efectivamente o pensamento
humanista-renascentista, com influências das civilizações clássicas, baseava-se
mais no intelecto do que propriamente no corpo, mesmo assim, a preocupação
entre estes dois componentes do ser humano contribuíram para a criação de uma “educação para a saúde”, como disse
Ubirajara Oro (1999) afastando o termo educação física. Esta “educação para a saúde” permitiu o
surgimento da ginástica como um agente beneficiador de saúde, e foram os
Italianos Vittorino Feltre (1425) e Hieronymus Mercurialis (1569) que se
demarcaram na investigação da educação corporal. Estes dois Italianos
publicaram obras sobre a sua experiência motora, evidenciando os exercícios
ginásticos que se poderiam fazer com o intuito de melhorar a saúde. As escolas
da altura adoptaram os exercícios físicos como prática educativa para a saúde
(Oro, 1999). “O humanismo renascentista
acentuava o cultivo do intelecto”, bem como, não “negligenciava totalmente o corpo (…) este merecia ser desenvolvido, a
bem da rigidez que constituía o objectivo pedagógico obrigatório para a
formação do homem integral” (Oro, 1999).
O espírito Renascentista trouxe uma
dualidade, alma-corpo bastante mais radical, que viria a ser sublinhada por
René Descartes constituindo, segundo António Damásio o erro de Descartes. Na
sua abordagem dualista e interaccionista, a rejeição da importância do corpo em
detrimento da mente e do cérebro, fazia o corpo do ser humano uma máquina
perfeita mas detentora e responsável pelos pecados e pelo mal, e o cérebro do
ser humano um ser superior completo a nível moral e intelectual (Oro, 1999;
Sérgio, 1999). Descartes pela primeira vez admitiu o problema: como uma mente
não material, res cogitans, interagia
com um cérebro material, res extensa
(Eccles, 1989; Sérgio, 1999). O filósofo e cientista francês, admitia que a
glândula pineal era o órgão que fazia a ligação entre cérebro e mente. Para
Descartes o corpo era matéria e nela não poderia haver vida nem
espiritualidade. A máquina corpórea obedecia às leis matemáticas e rígidas,
sendo explicado dessa forma reducionista e incompleta.
Para Descartes, os animais eram seres
autómatos, por não terem alma; possuíam apenas corpo, eram apenas matéria que
obedecia às leis da matemática, da física e da mecânica (A. Damásio, 1995; M.
Sérgio, 1999; Eccles 1989).
Contudo Descartes contribuiu imenso para
o desenvolvimento científico da época, influenciou uma série de autores, e
despoletou polémicas. A descrição intensiva que efectuou do corpo, contribuíram
bastante para o entendimento da máquina humana, os estudos em anatomia e
fisiologia, mais particularmente sobre o cérebro e sistema nervoso, permitiram
um conhecimento detalhado sobre os órgãos e o seu funcionamento orgânico.
Nos séculos XVII, XVIII e XIX ao
modelo mecanicista de Descartes, La Metrrie e Hartley, juntaram-se as leis da
física e da mecânica de Newton que ajudaram a definir ainda melhor a máquina pensada
por Descartes, uma máquina ou matéria despida de espírito que ocupava um
determinado espaço tridimensional (Sérgio, 1999).
O pensamento cartesiano-newtoniano,
serviu de base para os estudos biomédicos se estabelecerem como ciência que “também apresenta erros evidentes”, e que
têm a sua origem no cartesianismo, “esquecendo
a matriz holística e ecológica de saúde” (Sérgio, 1999). A ginástica
assentava também em leis mecânicas, e por isso os seus exercícios ou os
movimentos praticados era analíticos, tridimensionais (Oro, 1999).
A dualidade corpo-cérebro ou
corpo-mente é evidente, o corpo não funcionará bem com uma mente a funcionar
mal, nem uma mente pensará bem quando o corpo tem fragilidades (António
Damásio, 2003).
No século XVIII, marcado pela revolução
industrial, as circunstâncias sociais e culturais alteraram-se. O rendimento e
a produtividade eram alvos de uma sociedade em franco crescimento, e o desporto
e as práticas ginastas receberam as suas influências. O rendimento e a eficácia
no desporto, valorizaram-se em relação à qualidade e ao bem-estar, ao prazer e
ao saber fazer bem, marcar mais e fazer mais eram um sentimento de uma
sociedade e isso repercutiu-se em todas as áreas sociais e culturais. Contudo
esta sociedade solicitava também igualdade entre todos, razão pela qual o
estado ficava incumbido de prestar aos cidadãos o acesso à educação, à saúde e
à justiça.
Jean Jacques Rousseau influenciou
esta época com as suas obras de cariz clínico e pedagógico. A sua obra ajudou a
clarificar a importância do corpo e do espírito, defendendo que a formação
corporal deveria servir para equilibrar o espírito (Oro, 1999). Foi com o ideal
de Rousseau que, Johann Bernhard Basedow fundou uma escola, no ano de 1774, em
que a ginástica e as disciplinas de formação intelectual estavam
curricularmente equiparadas.
O contributo do positivismo de
Auguste Comte consistiu no reforço do estudo da relação do físico subordinado
às leis da natureza, o que seria mensurável, observável, analisável,
controlável e por isso a ginástica poderia ser uma ciência positivista. Kant,
dualista como Réne Descartes, entendia que a ginástica constituía a educação
daquilo que é natural no ser humano, o físico o natural, o intelecto pertencia
a um nível superior e não se confundia com o corpo subordinado às leis da
natureza. Ubirajara Oro (1999) admite a influência do pensamento de Kant na
pedagogia, e consequentemente na Educação Física, porque permitia o recurso a
uma formação intelectual com a corporal, por outras palavras, no aspecto
científico, a Educação Física, deveria recorrer aos conhecimentos médicos para
fundamentar os exercícios físicos, com vista à saúde. Desta forma a educação
física ou ginástica cingia-se ao tratamento das habilidades motoras
afastando-se da formação intelectual e não produzindo conhecimento efectivo
(Oro, 1999).
No entanto no século XIX, a ginástica
ganhou um fundamento muito mais anatómico e fisiológico do que no entendimento
clássico dos gregos ou na pedagogia proposta por Rosseau. As bases biológicas
eram neste século bastante mais relevantes na prática física, bases biológicas,
desenvolvidas em grande parte por Descartes, a anatomia e a fisiologia.
Tendo como pano de fundo a anatomia e
a fisiologia, distinguiram-se três grandes correntes de ginástica a
Escandinava, a ginástica de Per Henrik Ling essencialmente anatómica, a Alemã,
de Friedrich Ludwig Jahn, e a Francesa, por Georges Demeny uma ginástica de
base fisiologista baseada na ginástica ling (Oro, 1999).
É ainda no século XIX que a Ginástica
assume um papel terapêutico, biomédico, que relaciona a boa forma física com a
saúde. Segundo Ubirajara Oro (1999), é nesta ponte entre o exercício físico e a
medicina que a ginástica perde a sua teoria, sendo apenas uma prática corporal
visando a saúde e nada mais que isso, o seu conteúdo era não-intelectual, vazio, baseando-se
única e exclusivamente no físico e na matéria.
A abordagem, que a Educação Física
fez ao conhecimento médico, fê-la evoluir de uma forma inconsistente, frágil,
insípida. Para Manuel Sérgio (1999) a Educação Física sofre, sem dúvida,
influências da medicina e consequentemente identifica-se no pensamento
cartesiano.
Desde a cultura clássica,
continuando-se no humanismo renascentista e no filantropismo moderno, para
estender-se, via sistemas ginásticos oitocentistas, até à metade do século XX
ou ainda mais além. A dependência envergonhada, e a vassalagem que a educação
física tem vindo a prestar à medicina, fez com que o paradigma tardasse a
surgir, por isso, feita a viragem do século XX a Educação Física ainda não tem
o status de ciência.
A educação física ao entrar no século
XX e até aos anos 30, conseguiu um status de nível universitário, tornou-se uma
disciplina de responsabilidade educativa igual às outras disciplinas de
carácter intelectual, e encontrava na ginástica, nos jogos e no desporto o seu
método aplicativo. O desporto tornou-se um fenómeno social preponderante nas
sociedades ocidentais, conhecido e comentado por todos. A investigação sobre o
exercício físico, a par da medicina e os novos ramos que foram desenvolvidos
com bases que tornaram a própria Educação Física dependente de outros saberes, embora
não os controlando, mas retirando deles fundamentação para os exercícios que se
realizavam. Assim temos: a física, a química, a biologia, a psicologia a
sociologia e outras disciplinas cientificas que formaram ramos dispersos dentro
da Educação Física tais como, a Biomecânica, a Cinantropometria, a fisiologia
do Exercício, a Psicologia do desporto, a Sociologia do desporto, e outras
(Sérgio, 1999).
A desorganização estava patente e um
paradigma mostrava-se além de necessário, evidente. Nos anos 50, na Alemanha, o
termo educação física começou a ser questionado e foi adoptado o termo ciências
do desporto, que para Manuel Sérgio continua a ser insuficiente e desadequado.
Após a segunda Guerra Mundial é utilizado pelos russos o termo cultura física,
que abrangia todos os temas relacionados com a motricidade e devido às
circunstâncias politicas foram concedidos condições extraordinárias para o
desenvolvimento da ciência da cultura física.
Outro problema foi situar o objecto
da Educação Física, e o objecto que se definiu foi o movimento do homem. Para
designar os aspectos académicos e profissionais da disciplina, preferiu-se
finalmente utilizar os termos: Educação Física e Ciências do Desporto.
Mesmo assim, Ubirajara Oro (1999) e
Manuel Sérgio (1994;1999) entendem que é necessário um paradigma e um corte
epistemológico, capaz de organizar e criar critérios para métodos e resultados,
buscando uma identidade. A multiplicidade lexical, a desuniformidade taxinómica
e outros problemas de base epistemológica têm necessariamente de ser
ultrapassados, e é neste quadro que Manuel Sérgio propõe a ciência da
Motricidade Humana, rejeitando os termos educação física como obsoleto e Ciência do Desporto como demasiado
reducionista.
A Educação Física torna-se incompleta
porque pretende apenas manter a máquina bem lubrificada, em forma, mas
exercitando o corpo sem consciência não estamos a exercitar o ser humano,
estamos apenas a exercitar parte dele, tal como na medicina que quando nos
sugere um medicamento está a tratar apenas uma parte do problema, a doença já
lá estava, o medicamento poderá eliminá-la mas não evita o seu aparecimento no
futuro, então de que tratamento se trata afinal, uma vez que não garante o
bem-estar? Porque o bem-estar pertence à realidade holística corpo-mente, o
bem-estar não se radica só na mente ou só no físico, o bem-estar tal como o
Homem deve ser Holístico.
A educação física, para Manuel Sérgio
(1999), trata o ser humano de forma incompleta, procura a velocidade,
resistência, endurance, impulsão e tantas outras coisas., mas não disponibiliza
saúde ou bem-estar “porque lhe falta um
trabalho ao nível da complexidade, estruturado de acordo com o ego-pensado e
pondo de lado o multipensante, isto é, centrado mais sobre a facticidade
quantitativa e menos sobre a realidade qualitativa” (Sérgio, 1999, pág.?).
O ser humano é um ser complexo, e por
isso mesmo aquele que nas ciências o procuram conhecer pode ser sempre a
excepção à regra devido à sua inesgotável individualidade. Se não se tiver em
conta o seu cariz biológico, psicológico e social, então teremos de enfrentar
sempre os resultados incompletos e susceptíveis de fragilidade e falsidade. A
Ciência da Motricidade Humana tem o seu objecto no movimento intencional do ser
humano, analisando-o de uma forma holística com o objectivo da libertação e
desenvolvimento de novas capacidades.
3.7.3. Da Educação Física à Motricidade Humana
A educação Física “é uma pré-ciência da Ciência da Motricidade Humana, à qual se vinculam
condutas motoras (ou acções) em que o Homem persegue a superação e o sonho,
nomeadamente o desporto e a dança, mas sem esquecer a educação especial e
reabilitação, a ergonomia, o jogo desportivo típico do lazer e recreação e a
motricidade infantil” (Sérgio, 1999).
Esta citação, algo longa, de Manuel Sérgio,
considerado o pai da Ciência da Motricidade Humana, permite-me discutir e
desenvolver de uma forma organizada, a razão da Ciência da Motricidade Humana.
A insuficiência e a crise verificadas na Educação
Física não surgiram apenas devido às questões epistemológicas, ou aos métodos
dependentes de outras ciências, analisando a revisão bibliográfica que se efectuou,
pensa-se que o termo Educação Física se tornou obsoleto porque se passou a
admitir o ser humano de forma Holística.
Pensar o ser humano como matéria, ser físico,
corpo mais cérebro, mente e espírito é errado, é cartesiano, é redutor, é um
objecto apropriado para uma Educação Física, curta para atingir o objectivo a
que se propôs através do físico. Se a medicina que interage com o biológico por
vezes não consegue resolver os problemas de saúde do ser humano, o simples
contrair e descontrair do musculo sem consciência, sem sentimento, nem prazer,
não poderão por si só garantir a saúde.
A educação física “vítima do paradigma cartesiano”, como escreveu Ubirajara Oro
(1999), baseada no rendimento e na quantidade, como já vimos é incompleta e
parece ter chegado o momento em que necessita de uma reformulação tal que
resultará num corte epistemológico e num novo paradigma.
Para Manuel Sérgio (1994; 1999) a Educação Física
não tem forçosamente de desaparecer; para além de constituir uma pré-ciência da
ciência da Motricidade Humana, ela é também um ramo pedagógico da mesma, por
outras palavras, “quando aplicadas
pedagogicamente, a dança, a ergonomia, a reabilitação”, são formas de
educação física ou educação motora, numa determinada ramificação da ciência da
Motricidade Humana. O ser humano enquanto mente-corpo-sociedade-natureza (ver
esquema 1) buscando a transcendência, é o símbolo da complexidade e objecto de
estudo da Ciência da Motricidade.
Este movimento através do movimento buscando a
transcendência, a plenitude e o que é novo, é de uma complexidade infinita tal
que se poderá considerar utópico porque o ser humano procura incessantemente.
A praxis do ser humano é a sua identidade, é a sua
marca. O ser humano em movimento fez, a sua sociedade olhando o desenvolvimento
antropológico do ser humano; ele faz e transforma porque realmente somos livres
de pensar, criar e construir.
. 

Esquema 1 - O Homem é
mente-corpo-sociedade-natureza para a transcendência
A Ciência da Motricidade Humana pretende-se
anti-dualista, expresso na passagem do físico para o motor analisando o ser
humano de forma global e holística. Baseia-se em duas correntes filosóficas: a
fenomenologia e a hermenêutica, que contribuem para um novo sentido desta
palavra.
Na
Motricidade Humana sentido significa consciencialização do movimento que visa a
transcendência. Acerca de transcendência vale a pena escutar Anna Maria Feitosa
(1993) que diz:
…
“Toda a existência do ser humano é uma sucessão
de superações, de transcendências em direcção ao mais ser, à completude. E essa
trajectória necessita de um sentido que, mais do que uma direcção é uma razão
de ser”.
A Ciência da Motricidade Humana sente necessidade
de sensibilizar toda a sociedade para a importância da sua consciência
corporal, admitindo a consciência corporal como o respeito pelo processo de
formação do ser humano, que deve procurar ter uma condição física aceitável,
saúde para que possa vivenciar as actividades corporais que lhe conferem
prazer, sentimentos, emoções, transcendência. Por isto a Motricidade humana é
sem sombra de dúvidas, para Manuel Sérgio (1994), um paradigma.
A Motricidade Humana é o estudo do corpo, abordado
de forma holística, constituído por alma, corpo e natureza, com o objectivo de
equilibrar a interacção entre estes componentes e permitir a sua transcendência
para a sua liberdade criadora.
3.7.4. Porquê Motricidade Humana?
Porquê desenvolvimento e adaptação motora? Porquê
psicomotricidade? Porquê gerontomotricidade? Porquê ludomotricidade? Porquê
ergomotricidade? Porquê Ludoergomotricidade? Porquê cinesioterapia? Porquê
psicocinética? Porquê conduta motora? Porquê comportamento motor? Porquê
ciência do movimento Humano?
Tudo porque são disciplinas que podem ajudar o ser
humano na sua marcha para a transcendência, para a sua realização, para a sua
perfectibilidade, para o seu bem-estar, para a sua saúde, para a sua
integridade.
Porque o ser humano é acção e movimento, porque o
ser humano é corpo e espírito ao mesmo tempo, as ciências que se juntam à sua
volta para melhorar as condições da sua existência encontram na Motricidade
Humana mais uma ciência com um espaço amplo e concreto que pode fazer com que o
espaço corpóreo, social, mental e natural, do ser humano seja melhor próximo do
pleno. A motricidade tem o seu espaço reservado, e em vez de ser uma ciência
consumidora de outros saberes, é uma ciência que sabe receber e dar
conhecimento.
Uma Motricidade constituída por:
- Uma energia, estímulo e provocação para a transcendência;
- Um processo adaptativo, do ser humano descompensado com uma mutabilidade lenta perante o seu ambiente infinitamente variável;
- Um processo evolutivo, de um ser com predisposição à interioridade, à comunicação e à cultura: um processo que cria um mundo subjectivo ou artificial mas que é necessário à sobrevivência e desenvolvimento do ser humano;
- Um processo criativo de um ser em que as suas acções são conscientes e da responsabilidade do próprio Homem (Sérgio, 1994).
E desde que se conhece o ser humano, é assim, uma
motricidade que faz o ser humano e um ser humano que faz através motricidade.
A nível filogenético, o ser humano é motricidade,
o seu corpo de hoje surgiu da necessidade de energia, necessitou de se adaptar
lentamente ao meio, há teorias sobre o seu processo evolutivo e deixou marcas
da sua criatividade.
Por outras palavras, o ser humano obteve a postura
bípede eventualmente por consumir alimentos que se encontravam em ramos de
árvores. Esta nova postura permitiu uma série de modificações morfológicas
determinantes. A libertação da mão e a oponibilidade do polegar, o aumento do
volume da caixa craniana, a libertação da boca das suas funções primárias
(ingestão e tratamento de alimentos), determinaram alterações a nível orgânico
e cognitivo. O cérebro foi a estrutura que encontrou mais estímulos neste
processo, a mão e a oponibilidade do polegar constituíram um novo patamar da
motricidade, a micromotricidade, capaz de transformar e criar aquilo que as
estruturas cerebrais pretendem.
A interacção que passou a haver entre um novo
corpo através da motricidade e as estruturas cerebrais, produziram a linguagem,
as regras sociais, a cultura, um processo evolutivo sem igual neste mundo
(Vítor da Fonseca, 1992). O processo criativo que resultou desta nova
motricidade está à vista de todos.
Para reforçar ainda mais a importância da
Motricidade Humana no desenvolvimento global do ser humano, podemos lembrar o
processo ontogenético, que mais não foi do que uma réplica a uma velocidade
acelerada do processo filogenético. Se a motricidade foi indispensável no
processo filogenético, também o é no processo ontogenético.
A psicomotricidade e o construtivismo são aliás correntes
que demonstram, de forma clara, que o desenvolvimento cerebral e o
desenvolvimento cognitivo dependem intrinsecamente da motricidade.
Os estádios propostos por Jean Piaget (2000), no
desenvolvimento da criança, principalmente o estádio sensório-motor é um
argumento forte demais para ser contestado, a maturidade e o desenvolvimento
cerebral dependem da interacção do corpo e o seu meio, o equilíbrio entre o
corpo e o meio, constitui um patamar alcançado e ainda um novo por alcançar. Se
um indivíduo for privado de interagir com o meio a sua condição cognitiva e
física são deficitárias. A motricidade faz o indivíduo (Piaget, 2000; Oro,
1999).
Segundo a psicomotricidade, tal como no
construtivismo, o processo cognitivo depende de estruturas cerebrais bem
desenvolvidas e com maturidade. Para além da informação genética é necessário
que haja uma interacção entre o indivíduo e o meio que o rodeia, que patrocina
a maturidade das estruturas cerebrais e a consciencialização motora.
A psicomotricidade baseia-se nas unidades
funcionais propostas por Luria (ref...?), que trabalham conjuntamente e
harmoniosamente contribuindo cada uma delas para a actividade mental humana. De
uma forma esquemática e para que se entenda a importância da motricidade na
actividade mental apresenta-se um quadro que ajuda a resumir as bases da
psicomotricidade (tabela 1- Fonseca, 1992).
Cada unidade funcional tem funções primordiais no
desenvolvimento da actividade mental que estão associadas a determinadas áreas
e estruturas cerebrais.
Através dos factores psicomotores, a tonicidade, o
equilíbrio, a lateralização, a noção de corpo, a estruturação espácio-temporal,
a praxia global e a praxia fina, estimulam-se e trabalham-se determinadas
estruturas cerebrais que poderão não estar suficientemente desenvolvidas para
estabelecer as funções a que se destinam.
A psicomotricidade pode assim trabalhar no ramo de
ensino especial e reabilitação e no ramo da ludomotricidade (desporto). A
psicomotricidade, por si só pode defender a existência de uma Ciência da
Motricidade Humana, porque para além de ser anti dualista porque admite que a
mente depende da motricidade e vice-versa, é uma disciplina com um método e
resultados que são evidentes. Por outro lado, a psicomotricidade é algo que só
os motricistas poderão fazer e empregar, é uma disciplina única ao alcance dos
motricistas longe do senso-comum e suficientemente forte para ser considerada
como uma terapia.
Unidade funcional
|
Factores Psicomotores
|
Sistemas
|
Substratos anatómico
|
1ª unidade: regulação tónica de alerta e dos estados
mentais
Atenção, sono,
selecção da informação; regulação e activação; vigilância-tonicidade;
facilitação-inibição; modulação neurotónica; integração inter-sensorial
|
·
Tonicidade
|
Formação reticulada
- Sistemas vestibulares e
proprioceptivos
|
Medula, tronco
cerebral, cerebelo; estruturas subtalâmicas e talâmicas
|
2ªunidade: recepção , analise e armazenamento da
informação
Organização
espacial e temporal; simbolozação esquemática; descodificação e codificação;
processamento; armazenamento; integração perceptiva dos proprioceptores e dos
teloreceptores; elaboração gnósica
|
Estruturação espácio-temporal
|
- Áreas
associativas corticais (secundarias e terciárias).
- Centro associativo posterior
|
Córtex cerebral,
Hemisfério esquerdo e direito. Lobo parietal
(táctilo-quinestésico). Lobo occipital
(visual).
Lobo temporal
(auditivo)
|
3ª unidade: Programação, regulação e verificação da actividade: intenções.
Intenções; planificação motora, elaboração práxica; execução, correcção,
sequencialização das operações cognitivas
|
·
Praxia Global
·
Praxia Fina
|
- Sistema piramidal
-Áreas pré-frontais (áreas 6 e 8). - Centro associativo anterior
|
Córtex Motor
Córtex
pré-(psico)motor.
Lobos frontais
|
A psicomotricidade patrocina o desenvolvimento
Holístico do ser humano e admite o seu movimento para a transcendência.
Para sublinhar ainda mais a importância que a
Motricidade Humana tem para o ser humano integro, apresento o Hómunculo humano
que estabelece a relação entre o espaço físico que cada segmento corporal tem
no cérebro, relembro que esta figura tem tudo a ver com a maturidade do cérebro
e a actividade motora, a psicomotricidade.

lustração 1
- Hómunculo, espaço do córtex motor dedicado ao movimento de cada uma das
partes do corpo. As mãos são os segmentos que têm um maior número de células
cerebrais a controlar o seu movimento. (retirado de Susan A. Greenfield (2002)
A importância que o corpo tem para o cérebro e
vice-versa está espelhada nesta figura. Poucos comentários poderão ser feitos,
mas o que é certo é que se o corpo influencia o cérebro, as suas estruturas
físicas, automaticamente o corpo está implícito na forma como cada uma
estrutura o seu pensamento.
Para reforçar a importância da motricidade e do
corpo, cito um caso descrito por António Damásio (2003), embora demasiado longo
mas bastante conveniente:
“ É
curioso como certas observações podem mudar a forma como pensamos. (…) O doente
apontava para o seu corpo com grande precisão e descrevia uma sensação estranha
que tinha começado no estômago e subido para o peito, altura em que notara a
perda de sensação do corpo abaixo do nível do peito, tinha continuado a subir
e, na altura em que atingiu o nível da garganta o doente desmaiou.
Aquilo que o doente estava a descrever era a marcha vertical de uma
perturbação da sensação do corpo, seguida por uma perda completa da consciência
a partir do momento em que a sensação do corpo tinha passado de estranha a
ausente. (…)
Anos após ter ouvido esta descrição pela primeira vez, o caso sugeria a
possibilidade de que a suspensão do mapeamento do corpo acarreta a suspensão da
mente. De certo modo, retirar a presença do corpo é como que retirar o chão em
que a mente caminha. A interrupção radical do fluir das representações do corpo
que suportam os nossos sentimentos acarreta uma interrupção radical dos
pensamentos que formamos sobre os objectos e situações e, inevitavelmente
também, a interrupção radical da continuidade daquilo que percebemos com a
nossa existência”.
António Damásio, 2003
3.7.5. Conclusão e Crítica
Penso que após esta discussão e exposição,
verificamos que mente e corpo são um só, e a actividade humana depende do bom
funcionamento de ambas as partes, que são o ser humano. Este foi o erro de
Descartes, que culminou no erro da Educação Física moderna que está perante um
corte epistemológico e um novo paradigma, assim sendo a “Ciência da Motricidade Humana é um novo espaço de reflexão e pensamento”
(Manuel Sérgio, 1994).
Por outras palavras o dualismo filosófico
corpo-mente, as ciências exactas, a anatomia e a biologia, não são suficientes
para abranger a complexidade do ser humano, a Motricidade Humana será a ciência
que poderá abordar este objecto de forma holística. Compete aos especialistas
de motricidade humana, em primeiro lugar entenderem que pela educação motora e
psicomotora têm uma influência enorme sobre o desenvolvimento das crianças, em
segundo lugar têm de se admitir como produtores (e não remediadores) de saúde,
em terceiro lugar estão perante um desafio imenso de criação e selecção de
métodos e linguagem característica destes novos cientistas.
A nível pessoal a elaboração deste trabalho,
tornou-me uma pessoa mais realizada só por pensar, que a Licenciatura de
Motricidade Humana me poderá munir de conhecimentos que me possibilitam servir
o próximo. E quando esta ajuda implica ensinar o próximo a transcender-se, a
minha vida será sempre um desafio, será sempre a minha transcendência.
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