. Paradigma emergente
O paradigma
emergente, surge a partir do paradigma dominante, que se tem vindo a constituir
desde o século XVI. A Ciência moderna, que se encontra em crise, produz
conhecimentos especializados e concretos, mas que dispersam o Homem na
virtualidade e não servem, na totalidade, a sociedade.
É uma revolução
científica diferente daquela que ocorreu no século XVI, este paradigma tem um
contexto diferente. Um contexto modificado e influenciado pela própria ciência,
que por esse motivo tem de ser um paradigma social.
Boaventura de
Sousa Santos, lembra que já outros autores, Fritjof Capra, Ilya Prigogine,
Eugene Wigner, Eric Jantsch, Daniel Bell, Habermas, tinham abordado o tema e
detectado um novo paradigma a despoletar. Boaventura confere o nome de
Paradigma Emergente, a esta revolução ou crise. Mas devido ao contexto em que
se insere é um Paradigma científico e um paradigma social, ao mesmo tempo:
–
Paradigma científico, de um conhecimento prudente;
–
Paradigma social, que contribua para uma vida decente;
Para além destas
características gerais, o paradigma emergente apresenta 4 características
específicas:
1.
Distinção dicotómica entre ciências naturais e ciências
sociais;
2.
Fusão de conhecimentos científicos naturais, sociais e
humanísticos;
3.
Composição transdisciplinar e individualizada do
trabalho científico;
4.
Alcance de um conhecimento científico prático e que
ajude a viver melhor;
1.2. O conhecimento científico-natural é científico-social
“A distinção
dicotómica entre ciências naturais e ciências sociais deixou de ter sentido e
utilidade.”[1]
Esta distinção, também sublinhada por os
autores atrás mencionados, constitui a primeira característica do paradigma
emergente. As concepções mecanicistas da matéria e da natureza, não
conseguem abranger a complexidade do Homem, da cultura e da sociedade.
Para além disto,
essas concepções, através dos seus próprios métodos e técnicas estão a chegar a
um gueto em que não se consegue distinguir questões elementares, como por
exemplo: “Quem somos?”; “De onde somos?”; “Para onde vamos?”; “O que é o
homem?”.
O paradigma
emergente prepara-se para responder a estas questões, evitando a fragmentação de
ciências que alteram o contexto e a realidade de um objecto, que se torna
microscópico quando comparado com o que é realmente.
O conhecimento científico e o conhecimento
social, poderão completar-se com os pensamentos humanísticos. O meio literário,
torna-se assim uma das principais técnicas que unem o conhecimento científico e
o conhecimento social, tornando-o num conhecimento que não se pode dividir, tal
como não se pode dividir o Homem da Natureza.
“A concepção humanística das ciências sociais
enquanto agente catalisador da progressiva fusão das ciências naturais e
ciências sociais coloca a pessoa, enquanto autor e sujeito do mundo, no centro
do conhecimento, mas ao contrário das humanidades tradicionais, coloca o que
hoje designamos por natureza no centro da pessoa.” (Santos, 1987)
Esta constitui a segunda característica do
paradigma emergente.

Assim pode-se dizer que todo o conhecimento
que é científico natural também é científico social, e vice-versa.
1.3. O conhecimento é local e total
A ciência
moderna ao especializar cada vez mais o seu conhecimento afastou o objecto, de
estudo, daquilo que é realmente. Os seus métodos e técnicas, inflexíveis, “servem para policiar e reprimir os que a
quiserem transpor” (Santos, 1987).
Sem querer a
especialização da ciência, da disciplina, das leis e dos axiomas, reduziram o
objecto de estudo a parcelas. O pior é que não houve a prudência de
contextualizar sempre essa parcela num todo.
O Homem e a
natureza têm vindo a ser reduzidos por a ciência moderna, utilizando as
palavras do mesmo autor, “(…)o médico transformou o homem numa quadrícula
sem sentido(…)” por exemplo.
“No paradigma emergente o
conhecimento é total, tem como horizonte a totalidade universal (…). Mas sendo
total é também local.” Santos
(1987)
Quer-se com isto
dizer que, temos um conhecimento, que faz a sua prospecção, sobre temas
pragmáticos, que em dado momento são necessidades ou projectos de um
determinado grupo social.
Este
conhecimento que passou a ser local, porque foi desenvolvido por um determinado
grupo social, poderá tornar-se total quando essa experiência (criação,
cognição, imaginação) servir de exemplo prático a outros grupos sociais.
“é um conhecimento sobre as condições de possibilidade.” (Santos, 1987)
Desta forma
poderá haver uma “transgressão metodológica”, ou seja, utilizar métodos
naturais e sociais fora do seu contexto.
Esta
transgressão também permite que se utilize estilos literários e simbólicos, que
sirvam para descrever tudo aquilo que faz parte da investigação e do próprio
cientista. Um bom exemplo será a obra de António Damásio, essencialmente literária,
descritiva e qualitativa, mas que não deixa de ser uma obra científica. Trata-se
de um autor, de um neurocirurgião, que necessitou de exprimir a sua ciência
através da descrição de cada experiência, em vez de transformar a experiência
em números.
A
transdisciplinaridade e individualidade que passam a ser aceites por este novo
paradigma, permitem uma personalização do trabalho científico. Isto constitui a
terceira característica do conhecimento científico no paradigma emergente.
“(…) o objecto é a continuação do sujeito por outros meios. Por isso,
todo o conhecimento é auto-conhecimento.” (Santos, 1987)
A dicotomia
sujeito/objecto, foi mais fácil de utilizar nas ciências naturais. Um objecto
material, que recusava uma relação com o cientista, com o Homem ou com deus. O
Objecto era um facto que apenas poderia ser analisado e conhecido através do
conhecimento científico, despido de emoções, sentimentos, ideias, despido de
humanidade.
O Homem sempre
atribuiu explicações sobre a natureza e até sobre si próprio, o mesmo é dizer,
que o Homem sempre criou uma realidade que o ajudou a viver sem compreender
realmente a razão. A própria ciência moderna não descobre a realidade, cria uma
explicação, por isso é tão razoável como as explicações religiosas, dogmáticas
ou metafísicas. Segundo a perspectiva de controlo e funcionalidade… a ciência
moderna não está muito além dos outros tipos de conhecimento.
Sendo o objecto
analisado pelo Homem, é inevitavelmente abordado segundo uma determinada
perspectiva. Assim os objectos que visualizamos são a mistura entre as nossas
sensações e o nosso conhecimento.
Daí Boaventura
de Sousa Santos dizer que “todo o conhecimento científico é
autoconhecimento”.
Esta corrente de
linha materialista “veio a desembocar num conhecimento idealista”, e
assim o objecto transfigurou-se e passou a ser abordado de outra forma.
Consegue-se
desta forma, contemplar o mundo que nos rodeia e admirar a criação que a
ciência, mas também o Homem são capazes de fazer. O produto ou a funcionalidade
da ciência são uma forma de arte que deve ser admirada.
O conhecimento
passa a não ser encarado como um instrumento de sobrevivência mas uma forma de
saber viver. Sendo esta a quarta e última característica do paradigma
emergente.
Só a
configuração de todos os tipos de conhecimento, é que poderão constituir um
conhecimento racional e útil.
O senso comum é
tudo aquilo que a ciência moderna discriminou, contudo a ciência pós-moderna,
considera-o a forma mais importante de conhecimento, e o novo paradigma deverá
deixar-se penetrar por ele, bem como a outros tipos de conhecimento,
tratando-se de um sistema aberto e não fechado.
A ciência
pós-moderna tenta efectuar uma leitura do senso comum, para que se possa fundir
nele.
É importante
dizer que a reflexão epistemológica está mais avançada que o conhecimento tecnológico,
e neste novo paradigma não se sabe quando é que poderemos atingir o
conhecimento que nos permita viver melhor.
Mas sabe-se que
a ciência para tornar-se um conhecimento mais racional, mais claro, mais prático,
mais autoconhecimento, tem de respeitar todas as formas de saber (ter um
conhecimento prudente) e contribuir para uma vida melhor.
Este discurso de
Boaventura de Sousa Santos, para além de seguir a linha de pensamento de vários
autores, segue decisivamente a linha de raciocínio da carta de transdisciplinaridade.
É um texto que
nos transmite uma preocupação sobre a desumanização que a ciência moderna
provocou, e que agora está a procurar compreender e ultrapassar.
Este livro é,
também, um alerta para a disparidade entre a evolução tecnológica e o
congelamento ou perda dos valores.
Por outro lado,
é um contributo claro de um cientista, de um sociólogo, para o Paradigma da
Motricidade Humana de Manuel Sérgio. Este é um paradigma recente, e por isso
tem um fundamento epistemológico igual ao paradigma de Boaventura de Sousa
Santos.
Por isto digo
que a Motricidade Humana é um paradigma científico, que está na vanguarda da transição
paradigmática que todas as formas de ciência irão sofrer. Parece ser um
processo inevitável.
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