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sexta-feira, 7 de março de 2014

Um resumo sobre as ciências de Boaventura de Sousa Santos.



 

. Paradigma emergente

 O paradigma emergente, surge a partir do paradigma dominante, que se tem vindo a constituir desde o século XVI. A Ciência moderna, que se encontra em crise, produz conhecimentos especializados e concretos, mas que dispersam o Homem na virtualidade e não servem, na totalidade, a sociedade.
É uma revolução científica diferente daquela que ocorreu no século XVI, este paradigma tem um contexto diferente. Um contexto modificado e influenciado pela própria ciência, que por esse motivo tem de ser um paradigma social.
Boaventura de Sousa Santos, lembra que já outros autores, Fritjof Capra, Ilya Prigogine, Eugene Wigner, Eric Jantsch, Daniel Bell, Habermas, tinham abordado o tema e detectado um novo paradigma a despoletar. Boaventura confere o nome de Paradigma Emergente, a esta revolução ou crise. Mas devido ao contexto em que se insere é um Paradigma científico e um paradigma social, ao mesmo tempo:
        Paradigma científico, de um conhecimento prudente;
        Paradigma social, que contribua para uma vida decente;
Para além destas características gerais, o paradigma emergente apresenta 4 características específicas:
1.      Distinção dicotómica entre ciências naturais e ciências sociais;
2.      Fusão de conhecimentos científicos naturais, sociais e humanísticos;
3.      Composição transdisciplinar e individualizada do trabalho científico;
4.      Alcance de um conhecimento científico prático e que ajude a viver melhor;


1.2. O conhecimento científico-natural é científico-social


“A distinção dicotómica entre ciências naturais e ciências sociais deixou de ter sentido e utilidade.”[1]
Esta distinção, também sublinhada por os autores atrás mencionados, constitui a primeira característica do paradigma emergente. As concepções mecanicistas da matéria e da natureza, não conseguem abranger a complexidade do Homem, da cultura e da sociedade.
Para além disto, essas concepções, através dos seus próprios métodos e técnicas estão a chegar a um gueto em que não se consegue distinguir questões elementares, como por exemplo: “Quem somos?”; “De onde somos?”; “Para onde vamos?”; “O que é o homem?”.
O paradigma emergente prepara-se para responder a estas questões, evitando a fragmentação de ciências que alteram o contexto e a realidade de um objecto, que se torna microscópico quando comparado com o que é realmente.
O conhecimento científico e o conhecimento social, poderão completar-se com os pensamentos humanísticos. O meio literário, torna-se assim uma das principais técnicas que unem o conhecimento científico e o conhecimento social, tornando-o num conhecimento que não se pode dividir, tal como não se pode dividir o Homem da Natureza.
 “A concepção humanística das ciências sociais enquanto agente catalisador da progressiva fusão das ciências naturais e ciências sociais coloca a pessoa, enquanto autor e sujeito do mundo, no centro do conhecimento, mas ao contrário das humanidades tradicionais, coloca o que hoje designamos por natureza no centro da pessoa.” (Santos, 1987)
Esta constitui a segunda característica do paradigma emergente.
Assim pode-se dizer que todo o conhecimento que é científico natural também é científico social, e vice-versa.


1.3. O conhecimento é local e total


A ciência moderna ao especializar cada vez mais o seu conhecimento afastou o objecto, de estudo, daquilo que é realmente. Os seus métodos e técnicas, inflexíveis, “servem para policiar e reprimir os que a quiserem transpor” (Santos, 1987).
Sem querer a especialização da ciência, da disciplina, das leis e dos axiomas, reduziram o objecto de estudo a parcelas. O pior é que não houve a prudência de contextualizar sempre essa parcela num todo.
O Homem e a natureza têm vindo a ser reduzidos por a ciência moderna, utilizando as palavras do mesmo autor, “(…)o médico transformou o homem numa quadrícula sem sentido(…)” por exemplo.

 “No paradigma emergente o conhecimento é total, tem como horizonte a totalidade universal (…). Mas sendo total é também local.” Santos (1987)

Quer-se com isto dizer que, temos um conhecimento, que faz a sua prospecção, sobre temas pragmáticos, que em dado momento são necessidades ou projectos de um determinado grupo social.
Este conhecimento que passou a ser local, porque foi desenvolvido por um determinado grupo social, poderá tornar-se total quando essa experiência (criação, cognição, imaginação) servir de exemplo prático a outros grupos sociais.
“é um conhecimento sobre as condições de possibilidade.” (Santos, 1987)

Desta forma poderá haver uma “transgressão metodológica”, ou seja, utilizar métodos naturais e sociais fora do seu contexto.
Esta transgressão também permite que se utilize estilos literários e simbólicos, que sirvam para descrever tudo aquilo que faz parte da investigação e do próprio cientista. Um bom exemplo será a obra de António Damásio, essencialmente literária, descritiva e qualitativa, mas que não deixa de ser uma obra científica. Trata-se de um autor, de um neurocirurgião, que necessitou de exprimir a sua ciência através da descrição de cada experiência, em vez de transformar a experiência em números.
A transdisciplinaridade e individualidade que passam a ser aceites por este novo paradigma, permitem uma personalização do trabalho científico. Isto constitui a terceira característica do conhecimento científico no paradigma emergente.



“(…) o objecto é a continuação do sujeito por outros meios. Por isso, todo o conhecimento é auto-conhecimento.” (Santos, 1987)
A dicotomia sujeito/objecto, foi mais fácil de utilizar nas ciências naturais. Um objecto material, que recusava uma relação com o cientista, com o Homem ou com deus. O Objecto era um facto que apenas poderia ser analisado e conhecido através do conhecimento científico, despido de emoções, sentimentos, ideias, despido de humanidade.
O Homem sempre atribuiu explicações sobre a natureza e até sobre si próprio, o mesmo é dizer, que o Homem sempre criou uma realidade que o ajudou a viver sem compreender realmente a razão. A própria ciência moderna não descobre a realidade, cria uma explicação, por isso é tão razoável como as explicações religiosas, dogmáticas ou metafísicas. Segundo a perspectiva de controlo e funcionalidade… a ciência moderna não está muito além dos outros tipos de conhecimento.
Sendo o objecto analisado pelo Homem, é inevitavelmente abordado segundo uma determinada perspectiva. Assim os objectos que visualizamos são a mistura entre as nossas sensações e o nosso conhecimento.
Daí Boaventura de Sousa Santos dizer que “todo o conhecimento científico é autoconhecimento”.
Esta corrente de linha materialista “veio a desembocar num conhecimento idealista”, e assim o objecto transfigurou-se e passou a ser abordado de outra forma.
Consegue-se desta forma, contemplar o mundo que nos rodeia e admirar a criação que a ciência, mas também o Homem são capazes de fazer. O produto ou a funcionalidade da ciência são uma forma de arte que deve ser admirada.
O conhecimento passa a não ser encarado como um instrumento de sobrevivência mas uma forma de saber viver. Sendo esta a quarta e última característica do paradigma emergente.




Só a configuração de todos os tipos de conhecimento, é que poderão constituir um conhecimento racional e útil.
O senso comum é tudo aquilo que a ciência moderna discriminou, contudo a ciência pós-moderna, considera-o a forma mais importante de conhecimento, e o novo paradigma deverá deixar-se penetrar por ele, bem como a outros tipos de conhecimento, tratando-se de um sistema aberto e não fechado.
A ciência pós-moderna tenta efectuar uma leitura do senso comum, para que se possa fundir nele.
É importante dizer que a reflexão epistemológica está mais avançada que o conhecimento tecnológico, e neste novo paradigma não se sabe quando é que poderemos atingir o conhecimento que nos permita viver melhor.
Mas sabe-se que a ciência para tornar-se um conhecimento mais racional, mais claro, mais prático, mais autoconhecimento, tem de respeitar todas as formas de saber (ter um conhecimento prudente) e contribuir para uma vida melhor.


Este discurso de Boaventura de Sousa Santos, para além de seguir a linha de pensamento de vários autores, segue decisivamente a linha de raciocínio da carta de transdisciplinaridade.
É um texto que nos transmite uma preocupação sobre a desumanização que a ciência moderna provocou, e que agora está a procurar compreender e ultrapassar.
Este livro é, também, um alerta para a disparidade entre a evolução tecnológica e o congelamento ou perda dos valores.
Por outro lado, é um contributo claro de um cientista, de um sociólogo, para o Paradigma da Motricidade Humana de Manuel Sérgio. Este é um paradigma recente, e por isso tem um fundamento epistemológico igual ao paradigma de Boaventura de Sousa Santos.
Por isto digo que a Motricidade Humana é um paradigma científico, que está na vanguarda da transição paradigmática que todas as formas de ciência irão sofrer. Parece ser um processo inevitável.

Santos, B. S. (1987). Um discurso sobre as ciências. Porto: Edições Afrontamento


[1] Santos (1987)

Pedro Almeida, 2004

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