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quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Quercus - um velho e algum louco

Reino: Plantae
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Magnoliopsida
Ordem: Fagales
Família: Fagaceae
Género: Quercus
Espécie: Quercus Suber
Nome comum: Sobreiro



Um velho e algum louco


O Avô Humberto, mais conhecido por Beto ali pelas paragens São Brás de Alportel, estava tirar as medidas ao sobreiro de vinte e cinco anos, que ali tinha plantado quando nasceu o seu filho José. Tinha um terreno com vários hectares, com 30 Oliveiras, 15 Alfarrobeiras e 20 Sobreiros. No entanto, trabalhava para o Senhor Venceslau Neto, dono de uma herdade com vários bovinos e porcos que pastavam livremente pelo montado. O Avô Humberto trabalhava, enquanto havia luz. As suas mãos e atenção, só se dedicavam ao que era seu, quando tinha a certeza que não havia mais labuta na Herdade do seu patrão.
O seu neto Ernesto, era um menino simpático. Tinha dez anos e preferia acompanhar o Avô Humberto, ao invés de ir para a escola ou com o pai para o stand de automóveis. De Junho a Agosto, não largava o seu avô. O miúdo era tagarela, curioso. Demasiado ingénuo, ao ponto de parecer imaturo. A sua mãe Maria, não o deixava sem comer. Assim, a criança era robusta e fazia-se respeitar perante as balanças. Apesar da robustez, enfim gordinho, avantajado, pronto... gordo... conservava uma energia muito particular, mas que ainda assim, não conseguia esgotar a paciência do Avô Humberto. Talvez porque Ernesto não era avesso, não destruía, não partia, raramente pregava um susto por uma queda. Um banana. Quando muito atrapalhava os trabalhos, pois perguntava tudo sobre tudo. O Avô só se irritava, quando a explicação lhe começava a exigir conhecimentos de física, química, matemática e astrofísica:

- Sei lá Ernesto! Guarda essa, junto das outras mil, para a tua Professora. Vai-me mas é buscar aquela enxada e aquela pá para ti. E ajuda aqui com este trabalho, para ver se a língua perde força.

- A língua tem muita força?

- A tua tem.

- Quanta?

- Olha a mesma que a tua miquelina da praça!

- ssssshhhhhiiiii, isso é muita força! - esticando a língua para a observar.

- Isto é pior do que eu pensava...

- A língua?

- Oh Ernesto... escava homem... escava!


Para o campo e para casa. Da casa, para o campo. Avô-ô? Porquê é que os porcos comem bolotas? Avô-ô, pode ser verdade que o Zé Miguel tenha uma vaca na banheira? Avô-ô, para que serve a cortiça? Avô-ô, levas-me ao baile mais logo à noite?

Nenhuma pergunta, ficava sem a devida resposta, dada num tom calmo como um sobreiro na planície. E lá mais para o fim, com a rusticidade de um alentejano. Muitas vezes lhe diziam "Beto, tem cá uma paciência". Respondia sempre com o mesmo chavão "o entusiasmo empurra-nos a curiosidade... e a língua.".




 E foi naquele Baile que Ernesto se enamorou. Já não era sem tempo, pensou o Avô Humberto, que entre uma cerveja e uma dança, não deixou de observar o queixo caído do seu roliço neto, de olhos fixados em Isabel. Uma catraia, que vivia na cidade de Faro. Segundo soube de boas famílias. O pai era Professor no liceu, tal como a mãe. Não estavam há muito na cidade, mas faziam-se respeitar pela sua competência e dedicação aos jovens. Eram de uma cidade da zona centro, mas a velhota que lhe contou já não se lembrava mais, pois o Padre pediu silêncio mesmo quando lhe contavam ao certo de que cidade provinham.  Tinha olhos verdes, cabelos louros ondulados, que lhe caiam pela face rosada e contrastavam com os lábios cheios de cor romã. Era franzina, educada e sempre com um sorriso de orelha a orelha. O Avô Humberto, só não esperava que Ernesto avançasse. O velho ainda olhou para o céu, à procura de um cúpido. O que é certo é que, "quem tem boca vai a roma" e na ingenuidade e boa fé, o roliço Ernesto até caiu em graça da rapariguita da mesma idade. Trocaram as moradas, naquela altura não havia cá telefones, muito menos sms´s. Foi da maneira que as festas de Agosto, empurraram Ernesto para cima dos livros. Passou a ler e a escrever melhor, pois agora trocava correspondência com Isabel. O Avô Humberto ainda participou nos primeiros rascunhos, depois Ernesto passou a escrever sozinho. Até porque, na primeira carta que escreveu a Isabel, sem outro par de olhos a lerem os seus sentimentos, arriscou um "És muito bonita. com saudades, Ernesto." Isabel sorriu, mas tentou moderar um pouco o ímpeto do gordito. Achava-lhe piada, mas o Nuno lá da escola fazia-lhe mais o género.
O miúdo compreendia que não vinham de lá as respostas que esperava, haviam sempre umas curvas que levavam as palavras para as intrigas de raparigas e bons desempenhos escolares. Ainda assim não recuava e mantinha a coragem de escrever palavras que substituíam "aconteça o que acontecer eu estou a teu lado, eu sei que sabes que gosto de ti, espero-te."

Com o passar do tempo, os sobreiros iam mostrando uma casca mais robusta e rugosa. Assim acontecia com a pele das mãos de Ernesto, que apesar de continuar a ler romances e a escrever a Isabel, escolhera os trabalhos de seu avô. Como aliás já era esperado. O seu corpo condizia com as suas mãos, musculado e alto, abandonara o miúdo tótó e roliço da infância. Trabalhava também para Venceslau Neto, com dedicação e prazer.  

Nove anos depois daquele baile a 22 de Agosto, Ernesto estava triste. O dia estava abrasador. O Avô Humberto perguntou-lhe:

- O que se passa meu rapaz?

- Não é nada avô.

- Queres responder-me, sinceramente?

- Vamos trabalhar avô, não é nada. Por qual sobreiro começamos?

- Diz-me tu. Os meus braços e as minhas pernas, não poderão virar estes montados para sempre.

Ernesto, lá escolheu um sombreiro. Com toda a força, cravou o machado na cortiça.

- Ernesto... essa machadada não foi para tirar cortiça. Quando muito, foi para derrubar o sobreiro. Vais falar ou vais derrubar o montado ao patrão? Sabes que os homens só falam, quando acham que isso pode ajudar em alguma coisa. Mas o silêncio, muitas vezes separa-os das pessoas e adia as soluções.

- É Isabel avô...

com um suspiro lá continuou:

- Vai para a Universidade em Lisboa, estudar Psicologia ou lá o que é.

- Hhhhmmmm. Já lhe pediste a morada nova?

-Oh Avô, vá lá. O problema não é esse. É que isto já não vai lá, só com cartas. Quero mais, quero namorá-la e casar com ela.

- Oh Ernesto... meu caro neto. Deixa-me agora ser o velho, uma vez que fui o miúdo teu amigo que precisas-te até hoje. Sensato é deixá-la, se quiser partir e depois voltar a ti, é porque é tua. Esquece-,  por agora.

- Mas avô. É ela que eu quero.

- Quererás uma mulher. Aí em São Brás há tantas e bonitas. Com os teus interesses, com o teu nível.

- Com o meu nível?! Oh avô! Nem parece seu.

- Só não te quero ver triste. E essa miúda sempre te quis como amigo.

- Mas Avô Humberto, as coisas mudaram um pouco. Estive com ela já este Junho e Julho.

- Tives-te?! Onde?!

- Nas festas de Estói e Moncarapacho.

- E não me convidas-te?!

- Oh Avô, estou a falar sério!

- Mas o que Isabel tem, que as outras não têm?!

- Leu Eça e Pessoa. Sabe contar a História de Portugal. Gosta de viajar, de ler. É romântica, lutadora, corajosa e convicta. Quer um mundo melhor. Fala de igualdade... é bonita.

Franzindo o sobreolho e agora mais preocupado, o avô interrompeu.

- Elah aí, Elah aí. Eu não ando aqui a ler. Já percebi tudo. Cuidado com essas miúdas ricas de atitudes extremadas. Vais parar à cadeia, sabes? Não deixes que a paixão te leve em loucura.

- Calma... calma... avô não é nada disso.

- Não é?

Ernesto falava agora com outro fulgor, libertou-se de correntes com este diálogo. O discurso tem destas coisa, de embalar o pensamento e o sonho.

- Vou pedi-la hoje à noite em casamento!

- Oh diabo... pirou mesmo... tem juízo! Diz-me só quanto tempo vais permanecer fechado no escuro, sozinho com o teu desgosto amoroso a beber copos de melancolia.

- Acha-me louco?

- Louco? Não. Mas é uma loucura! Onde é que queres chegar com isso? Queres trocar com ela o quê? rolhas de cortiça por livros e diplomas?

- Porque não? Quanto vale tudo o que me ensinou?

- Ooohhh Ernesto... - aqui o velho amigo resignou-se com a cabeça, os ombros e um suspiro de gratidão.

- Vou pedir.

- Mas Ernesto, não a peças em casamento.

 - Não! Tem razão isso é uma loucura.


E desatou a correr e a rodopiar em direcção à vila. Obrigado Avô, ainda disse, tenho uma excelente ideia!

Naquela noite, sem vento, parecendo que a lua continuava a fazer o trabalho do sol, queimando a pele e alimentando o desejo. Ernesto foi ao encontro de Isabel, como sempre de camisa branca, colete negro já maltratado, calças castanhas de fazenda e o mesmo par de botas negras. encontraram-se com um olhar cumplice, ninguém notou.  Puxou-a para fora da multidão. Ninguém notou ou não quis notar. Nestas ocasiões, cada um se liberta naquilo que procura. Correra,  de mãos entrelaçadas com um sorriso até ao átrio da igreja. Sentaram-se num banco de jardim pintado de verde.

- Porque me trouxes-te para aqui?! - perguntou Isabel.

- Preciso que me digas uma coisa.

- Sim?

- Amas-me? - Isabel, corou. Claro que as declarações de amor, em cartas de primavera perfumadas, deixariam de fazer sentido se respondesse que não. Ela amava-o, sim. Mas ia agora para Lisboa... sabe-se lá conhecer quem.

- Sim, Ernesto. Amo. - Apesar da pouca convicção... Ernesto arriscou a pergunta:

- Vamos os dois escrever um livro, um dia?

Os olhos de Isabel brilharam de alegria e de alívio também.

- Sim, parece-me bem. Sobre o quê?

- Queres viajar comigo até onde?

- Não sei Ernesto, até onde a vida nos levar. Não sei se juntos.

- Não sabes se juntos?

- Mas o livro será a nossa viagem. Vamos a Paris, a Londres. Vamos a Macau, a Tóquio, a São Tomé.

- Aceito.

- Vamos abrir uma livraria no regresso. Ter filhos. Liderar uma cidade. Mudar o mundo.

- Isso não me mete medo. Mas tenho de estudar também.

- Estudaremos juntos! Ajudarei no que for possível. Talvez o que sei destes pobres animais e destas lindas árvores te possa ajudar.

- Mas Isabel... agora quero-te fazer uma outra pergunta. - O tom da voz de Ernesto era agora mais grave. Recompôs-se. Deixou de lado o sonhador, o poeta e o romântico. Olhou-a nos olhos. E Isabel temia a pergunta a que não iria responder. Nem que sim, nem que não.

- Isabel... Enlouqueces comigo? A vida é uma loucura, tira-nos o conforto a toda a hora. Mesmo com trabalho árduo e honesto. Talvez aí, a vida ainda nos enlouqueça mais até. Enlouquece comigo aqui, junto do que sou. Junto destas árvores, desta serra linda. Parte, vai-te embora, não te quero ver mais. Não te quero mais. E vem para junto de mim, abraça-me, beija-me, deixa-me ter todo o teu corpo. Peço-te vem enlouquecer junto a mim. O que é a vida, senão uma loucura? Olha para aquele sobreiro, meio despido, daqui a dez anos, irá parecer outro. Tal como nós. Vem conquistar-me todos os dias, não desistas de mim. Fuma um cigarro comigo, depois de uma noite de amor. Lê-me poesia, depois de uns copos de embriaguez. Chora. Ri. Mas comigo. Não desistas dessa loucura de amar um camponês em Paris. Continuarei a cantar-te ao ouvido. O que é a música senão uma loucura ritmada, que nos faz sonhar poder ser louco. Assim como todos esses romances que lês. Terás a coragem de actuar, consoante essas palavras que defendes? Vem enlouquecer comigo e não ligar a ninguém, respeitando toda a gente. Vem ser diferente. Vem ter filhos e viver outra vez. Deixa-te ficar no campo, com esses estudos de cidade. A Natureza tem tanto para ti, tanto para nós. Deixa-te ficar neste Inferno. Deixa-te ficar neste paraíso. Nunca serás o que estudas-te, serás sempre de onde és. Vem enlouquecer comigo até ao fim da vida. 

- Enlouqueces-te...?       

 - Se te cantar agora uma serenata? Bem alto, até se ouvir em Faro. sou louco?

-és!

 - Mas arranco-te essa vida cá para fora. Deixo-te o coração num impasse, a face numa maçã e a tua boca naquele sorriso. Não seria isto, uma página de um teu livro? Vai então. Vai então enlouquecer com dinheiro e no espaço da tua casa grande, em que se perdem pessoas. Vai! E volta quando quiseres, mesmo depois de outro te ter ocultado. Volta se quiseres, quando descobrires que tudo o que tens não te satisfaz a existência. Quando um louco te fizer desviar e ninguém quiser ouvir tal loucura, vem ter comigo ao nosso abraço. Que mais queres? Filhos? Teremos dez. Não, dez é loucura, será mais sensanto apenas um. Será? Vamos tê-lo já! Não, para o ano. Adia um pouco mais se quiseres. Loucura é pensares que  tudo será, como os outros pensam que vai ser. Não vai. O que não é uma loucura? A felicidade é a loucura que quiserem. Qual é a pessoa que é feliz e não é louca? Estou louco? Então vem ficar comigo.


- Estás completamente louco...

   
   
Eu... eu vou contigo.




15.9.2013 - Colocação de arame durante o encontro mensal do Clube Bonsai do Algarve. No futuro, estas árvores não estarão no mesmo vaso.






É um Quercus. Nã o consigo distinguir a espécie. Gostava que um quercus suber (sobreiro). Custou 1€99, veio agarrado à Pistachia e à Olea que já apresentei. Vamos ver...

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