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domingo, 18 de agosto de 2013

Ficus Thonningli - A árvore de Ludo




retirado de www.africamuseum.be

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Os escritores não o seriam, sem as suas raízes. Já o tinha notado em José Saramago, nas suas "Pequenas memórias". Também Luís Sepúlveda, depende do que viveu na Patagónia. E Mia Couto, no seu Moçambique. Penso que outros exemplos poderemos encontrar, sem grande esforço.
Neste caso, o autor faz transparecer no romance "Teoria Geral do Esquecimento" a opinião, de que as árvores são os únicos seres, que acompanham as nossas histórias e que portanto as testemunham. Por pressuposto, as árvores, se falassem teriam tanto para nos contar. Teríamos tempo para as ouvir?
Por isto e porque adorei o romance, transcrevo aqui um excerto. Talvez um dia, cresça uma mulemba na nossa varanda.


 
"Luanda, 1975, véspera da independência. Uma mulher portuguesa, aterrorizada com a evolução dos acontecimentos, ergue uma parede separando o seu apartamento do resto do edifício - do resto do mundo. Durante quase trinta anos sobreviverá a custo, como uma náufraga numa ilha deserta, vendo, em redor, Luanda crescer, exultar, sofrer. Teoria Geral do Esquecimento é um romance sobre o medo do outro, o absurdo do racismo e da xenofobia, sobre o amor e a redenção."
 
"No pátio, onde surgiu a lagoa, existe uma árvore enorme. Descobri, consultando na biblioteca um livro sobre a flora angolana, que se trata de uma mulemba (Ficus thonningli). Em Angola, é considerada a árvore real, ou árvore da palavra, porque os sobas e os seus makotas se costumavam reunir à sombra delas para discutir os problemas da tribo. As ramadas mais altas quase alcançam o meu quarto.
 
Às vezes vejo um macaco passeando-se pelos ramos, lá no fundo, por entre a sombra e os pássaros. Deve ter pertencido a alguém, talvez tenha fugido, ou então o dono abandonou-o. Simpatizo com ele. É, como eu, um corpo estranho à cidade.
 
Um corpo estranho.
 
As crianças atiram-lhe pedras, as mulheres perseguem-no com paus. Gritam com ele. Insultam-no.
 
Dei-lhe um nome: Che Guevara, porque tem um olhar um pouco trocista, rebelde, uma altivez de rei que perdeu o reino e a coroa.
 
Uma vez encontrei-o no terraço a comer bananas. Não sei como faz para subir. Talvez saltando da mulemba para uma das janelas e de lá para o parapeito. Não me incomoda. As bananas e as romãs chegam para os dois - pelo menos por agora.
 
Gosto de abrir romãs, e de revolver entre os dedos o lume delas. Gosto inclusive a palavra romã, do brilho a manhã que nela existe."
 
in Teoria Geral do Esquecimento de José Eduardo Agualusa
 
 
 

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