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domingo, 31 de janeiro de 2016

demência

vem-se diluindo no tempo
como um liquido caramelizado
escorrega em pequenas coisas
que mudam de sitio sozinhas
ficam por detrás de colunas vazias
e de gavetas escancaradas de onde tudo sai e entra sem pesar.

vai-se baralhando o tempo
que já lá vai e que agora está aqui tão perto
deixam de importar os dias,
assinala-se com uma cruz o calendário
mas tudo se dilui e se esquece
servem todas as desculpas e tudo se nega

Com um tempo em espiral
se esvai no escuro da noite
num nervosismo sem espaço
numa casa labirinto que se reconhece em tiradas
tudo se dilui na neblina
tudo contra, tudo se nega

e os outros que me querem louca
e são os meus que me roubam
a minha lucidez e a minha dignidade
querem-me fria deitada
e o dinheiro do meu suspiro
todos me apontam, todos esqueço
e lembro porque me roubam em todas as minhas horas
que horas?
e já em gota a gota
tudo se esquece, tudo se nega.

e leva-me tudo o que sou
nesta penumbra de solidão
que ninguém me ajude
porque eu
como sem comer
limpo todas as minhas partes sujas
suja ficando.
não me toquem que eu bem sei que me querem levar
e leva-me a roupa que vestia.
eu visto o que visto
não quero saber do sol ou da chuva
não tenho frio por falta de roupa. é porque está frio. É porque está calor.
desidratada nas rugas, por este casaco de pleno Agosto.
tudo se nega.

Não me ajudes. não preciso.
deixa-me aqui neste espaço volátil
e neste tempo gasoso onde me deito
e acordo procurando os rostos dos meus
que já não encontro em parte alguma.
a angustia engole este corpo anémico
e encosta com força, o coração á garganta, cegando a respiração.

Já estou noutro lugar e continuam-me a roubar tudo.
querem todas as minas coisas,
até os lenços que guardo na manga do casaco e no elástico da minha bela saia.
Tão moderna para este ano ano de 1979. não estamos em 1979? pois não, pois não. claro que estamos noutro ano que já não reconheço como pertecente á minha passagem.

quem és? a demência não sou.
e tu quem és?
não sei, mas querem roubar-me.
Já te roubei.

e tudo se esquece, tudo se nega.

A demência que se desmente e se nega a toda a hora, em todo o lado.

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