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segunda-feira, 10 de junho de 2013

Populus Nigra - Desculpa ter chegado tão tarde

Reino: Plantae
divisão: Magnoliophyta
classe: Magnoliopsida
ordem: Malpighiales
família: Salicaceae
género: Populus

Parece que as três estacas pegaram.  Ainda é cedo, mas arrisco que vão sobreviver. Recolhi estes ramos no meu local de trabalho, pois derrubaram o choupo que nos dava sombra. As suas fortes raízes foram longe demais, danificaram canalizações, muros e o pavimento exterior. Sinceramente parece-me um choupo-negro, mas também se pode tratar de um populus tremula. Abaixo a flor, que desabrochou já em vaso. 1.4.14





Desculpa ter chegado tão tarde

Dezassete horas, hoje saiu cedo. lá vinha ele pela rua, mais junto do muro alto amarelo do que da estrada alcatroada de onde chegavam os ruídos e os fumo de pequenas e atordoantes motorizadas, de carros com uma só pessoa com música pneumática e autocarros carregados e cansados das horas de ponta. Desviou-se de um choupo ou álamo negro bem alto com a sua base a empurrar as pedras de mármore para fora da ordem que o calceteiro lhes deu. Aquele alcatrão retalhado estava a condizer com o espírito daquele homem, que fazia os seus metros com os olhos a arrastarem-se pelas pedras de calçada, costas curvadas, um braço a segurar a asa da mala de executivo que já rasava o chão. Parou. alargou o nó da gravata azul, soltou o colarinho do ultimo botão para dar espaço ás carótidas com pulso fraco. Mandou o ar fora, juntou as omoplatas, ergueu os ombros... mas deixou-os cair novamente para levar aquela postura frágil e cansada.


Poplars de Van Gogh retirado de http://briarcroft.wordpres
s.com/tag/populus-nigra/


Não passava despercebido às velhas que passavam no passeio. Seria o quadragésimo quinto a ser levado ao banco dos réus das octogenárias. Não recebeu críticas duras, o sentimento de pena que as grisalhas sentiram não as deixaram ir mais além do que o comentário 'coitado...' O homem que acompanhamos continuou no mesmo passo lento e carregado, virou a esquina, preparou o ataque à passadeira olhou para cima e sorriu com a fachada do prédio moderno que habitava. Feliz de quem sorri para o seu lar. Verde, cruzou a rua ao mesmo tempo que com o braço que tinha livre, procurava as chaves no bolso das calças e do blazer, caiu o maço de cigarros por entre os passos. Olhou para trás e para o chão, o pacote já estava amachucado, vincado assim como ele quase vazio, deixou-o pela rua. Encontrou as chaves... à medida em que subia os 5 degraus escuros que davam acesso à grande porta envidraçada. A porta do elevador abriu-se assim que a plataforma chegou ao rés-do-chão, como sempre faz despida de qualquer relação. Há portas que nos dizem algo, que nos fazem pelo menos adivinhar o que estão a guardar mas as portas de elevador não têm alma, são descartáveis... abrem-se e fecham-se... nem tão pouco envelhecem. Ali ficam frias e metalizadas até não haver fim. Depois o 6º andar, a porta com a letra E. Um vaso bem tratado, com uma planta qualquer com as folhas carnudas desmaiadas para o chão. Vida. Chave na porta, abrir e fechar a rua nas costas é muito confortável. Nem por isso alterou a sua expressão. Ouviu a esposa na sala a folhear um romance, estava descansada sobre o sofá.

- Tão cedo querido?! Passa-se alguma coisa no trabalho, tens vindo sempre tão cedo.

Sorriu, com um braço nas costas do sofá, debruçou-se para chegar aos lábios de sua mulher, respondendo a meio da trajectória:

                                                          - É... não, lá está tudo bem.

E o silêncio engoliu-o de novo na expressão trancada.

- Em que pensas?


                     - Bem... em nada.

-Em nada?


                                                           - Nada.

- É sobre aquilo outra vez? Sabes que não seria fácil.

                  - Eu sei. Mas... não vale a pena.

- Porque ficas em silêncio, quando nele guardas tantas palavras e me deixas na angústia de te adivinhar?

- Onde é que ele está?

- No quarto a brincar. Veio bem da escola.

E os olhos voltaram às páginas do romance, para bem longe dali... enquanto que na viagem do homem até ao quarto apenas faltava um outro álamo negro ao vento.
Deixou todo o tronco escondido na parede e só deixou a cabeça para lá da ombreira da porta. Deteve-se a olhar o seu tesouro que brincava no tapete azul, num quarto cheio de histórias boas... e más. Ficou ali, como um choupo embalado pelo cochichar das falas que se atribuíam a cada boneco, ao som mais evidente de um carrinho que passou em toda a velocidade, do acidente e das sirenes do pronto socorro. O sorriso ficou finalmente desenhado na sua face sem de imediato se apagar. Tão bom. Ficou tudo bem... foram todos para o hospital.
Um movimento denunciou-o, a criança voltou-se para trás:

- Olá.

- Então meu filho, tudo bem?

- Hhhhhmmmm, sim...

Entrou e sentou-se no meio da bonecada, ali era mais difícil dar asas à imaginação. Pegou num boneco mas não conseguiu dar-lhe coração. Caramba! É assim tão difícil brincar? Pelos vistos cada vez mais, nem os super-heróis já sabem brincar. Qual é o adulto que tem o poder da brincadeira? Interpelações que chegaram agora ao homem novo mas cansado... de fato executivo... porque não sei eu brincar?

- Queres brincar? - perguntou a criança?

                                        - Sim, claro.

E num instante saiu um carrinho da sua garagem situada debaixo da cama.

                                                                    - Desculpa ter chegado tão tarde. - disse o homem.

- Quê?

                                      - Desculpa ter chegado tão tarde...

- Tens chegado cedo até.

                                       - Sim, tenho... mas cheguei tarde.

- Eu gosto de brincar contigo.

                                            o homem sorriu e fez pairar um avião.

- Eu gosto de ti.

                                         - Eu adoro-te meu filho... mas gostava de ter chegado mais cedo.

- Sonhas comigo?................................... pai?! - O homem levantou a cabeça do tapete azul, estrelas cintilantes nos olhos a ameaçar cair... finalmente se viu ali felicidade.... plenitude, realização... as costas ergueram-se finalmente, respirou ar novamente... ficou rosado... com sangue.

- Se sonho contigo? claro, meu anjo.

- E acordarias para me vir buscar aos meus?

                                              Um abraço... e um segredo ao ouvido

                                                   - Amo-te para isso... para te ir buscar e te levar a uma família feliz.

- Pai?

- Sim, meu filho?

- Leva-me aos baloiços.



De Kandinsky, retirado de http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/kandinsky/kandinsky.comp-7.jpg

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