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sexta-feira, 9 de maio de 2014

Ficus Carica - ser curioso e experimentar é aprender

Eu tenho o privilégio de trabalhar com muitas pessoas. Umas mais novas, outras da mesma idade ou bastante mais velhas. Umas do campo, outras da cidade, umas trabalham nas limpezas, outros tiveram cargos distintos. No entanto, quando estão comigo o que interessa são as suas histórias, os seus valores, as suas vidas. E com tantas vidas e histórias diferentes, podemos compreender que temos muito mais semelhanças que diferenças e que no essencial hierarquizamos os nossos desejos de forma muito similar. Só depois, no que é menos importante, começam a surgir as naturais diferenças.

Foi nesta partilha, do que somos e do que desejamos, que a D. Vitorina me disse, que lá no seu terreno tinham crescido duas figueiras nos vasos de flores. E por crescerem sem jeito, nos vasos das flores, iria mandá-las fora. Nesta altura, pedi para que não o fizesse. Mesmo sem ver as árvores, imaginei que pudessem dar um Bonsai. A D. Vitorina trouxe-mas e eu já as passei para vasos de cultivo para engrossarem o tronco.

Esta figueira tem a base do tronco muito fina, no entanto ainda está flexível e por isso irei colocar arame para lhe conferir movimento. Possivelmente irei aramar todo o tronco e desenhar várias curvas, pretendo que transmita a luta pela luz num contexto meteorológico desfavorável.


Aproveito estas árvores, para deixar os meus apontamentos sobre quais as características que mais valorizam um bonsai. Isto permite ser mais exigente na selecção das árvores com potencial bonsai. No entanto, continuo a pensar que podemos sempre dar o nosso toque artístico e retirar o melhor de uma planta, mesmo que saibamos que não será um bonsai extraordinário.

No momento da escolha da árvore, em primeiro lugar, devemos analisar a sua saúde. A condição das folhas e das raízes é determinante para a sua viabilidade.

Esta outra figueira, embora não se note na foto, tem um movimento interessante na base. Peca pela pouca espessura do tronco e pouca conocidade. No futuro poderá dar um Shoin, interessante.


Vale a pena escavar um pouco à volta da base do tronco, até identificarmos as raízes grossas (nebari). A base do tronco deve 2/3 da altura da árvore. Contudo se ambicionarmos um estilo "literati", o que importará é a silhueta esguia e acidentada do seu tronco e não tanto as proporções inter-segmentares.

O movimento que a base do tronco desenha, é outro aspecto a ter em conta. Se identificamos uma curvatura elegante, logo que a árvore deixa o solo, podemos estar perante uma árvore com potencial e que nos ajudará a determinar a sua estilização. Caso contrário, apenas poderemos ter árvores com estilo "formal direito" (chokkan), inclinado ou "vassoura" (hokidachi).

Outro aspecto importante é ter ou não casca nos troncos e ramos constituída. Dependerá evidentemente, da espécie que estamos a observar.

A conocidade do tronco e ramos é outro item determinante. Na natureza as árvores vão afunilando desde a base até ao topo. Caso encontremos uma árvore num viveiro ou na natureza com esta característica, é logo um ponto a favor.

Quando estamos a iniciar as nossas aprendizagens e a desenvolver as técnicas bonsai, temos de ter material. Portanto árvores que nos sejam dadas ou que possamos adquirir a baixo custo, constituem bom material de treino e que a nossa consciência fica um pouco mais tranquila. Fazer disparates num bonsai ou pré-bonsai de elevado valor, não me parece boa ideia. Está claro que experimentar, não é fazer maldades. Em cada uma das tarefas que realizo com as minhas árvores, procuro dar o melhor e procurar explorar o máximo que a árvore pode dar. Isto não é o mesmo que fazer disparates, sem qualquer ponta de intenção. Para fazer por fazer, mais vale estar quieto. Fazer disparates ou fazer coisas cujo resultado é pouco provável, mais vale deixar para quando existem mais certezas.
Depois, talvez o tempo e a árvore em desenvolvimento nos possam dar boas notícias 15 anos depois.


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