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quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Olea Sylvestris


14 de Fevereiro, após modelar com arame.A oliveira guarda muitos problemas técnicos, mas fiquei satisfeito com o resultado. Foi um bom treino. A base sofre com a marca do enxerto, tem pouca conocidade, os ramos são demasiado longos. Não quis arriscar a poda, pela debilidade da árvore e por ter esperança que faça backpudding por agora ter mais espaço para entrar luz e ar.


A 14 de Fevereiro de 2014, antes de colocar arame. A árvore não respondeu como esperava ao transplante. Possivelmente o sistema radicular não estava suficientemente desenvolvido, ou não gostou da Akadama fina.



Resultado do transplante a 25.10.13 As raízes não estavam num estado muito bom, devido ao solo em que estava plantada de cem por cento matéria orgânica. Transplantei para solo de Akadama e Kyriu (2/3 para 1/3). Falta trabalho para preencher os espaços e conseguir um estilo hokidachi informal. Também o tronco necessitará de ganhar conocidade e maior elegância.

Não me chores
quando ouves a minha voz
Não me cobres
quando sentes a ausência

Mantém pedra rolada
Quando sou caudal do rio
Fica segura parada
Quando palavras em desvario

Resiste ao sol forte
À seca rija
Ao solo mole

Resiste ao ardor
das feridas da convicção
coragem de flor

Transplante a 25.10.13



Adquiri esta árvore, em conjunto com a pistachia e um quercus. Cada planta custou 1€99. Apesar de vir com uma garrafa de zeite em miniatura, garantindo que era uma Olea Europaea l., pelo tamanho da folha parece-me uma Olea Sylvetris. Penso que, terá um potencial relativamente bom, apesar do tronco não possuir uma conocidade satisfatório. A foto é enganadora. Mesmo assim, penso que se ultrapassará. Está num solo pobre.


Em Portugal e países mediterraneos, as Oleas preferem estar no exterior sob pleno sol. É importante evitar geadas. No entanto adaptam-se ao interior, crescendo mais lentamente.

É importante deixar o solo secar, entre as regas. No período de floração e frutificação as demandas de água são maiores.

A adubação realiza-se da Primavera ao Outono.

A poda pode ser realizada ao longo de todo o ano, em ramos novos com 6 a 8 pares de folhas, podo de forma a deixar os dois pares mais proximais.




domingo, 25 de agosto de 2013

Sobre árvores. Martin Luther King.

 
Aguarela de Fernando Tordo

Se eu soubesse que o mundo terminaria amanhã, hoje ainda plantaria uma árvore.

Martin Luther King, cit in. Trinta árvores em discurso directo, António Bagão Félix (2013).

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Árvores alheias

Aguarela de Fernando Tordo
Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
Excerto de Ricardo Reis

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Quercus - um velho e algum louco

Reino: Plantae
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Magnoliopsida
Ordem: Fagales
Família: Fagaceae
Género: Quercus
Espécie: Quercus Suber
Nome comum: Sobreiro



Um velho e algum louco


O Avô Humberto, mais conhecido por Beto ali pelas paragens São Brás de Alportel, estava tirar as medidas ao sobreiro de vinte e cinco anos, que ali tinha plantado quando nasceu o seu filho José. Tinha um terreno com vários hectares, com 30 Oliveiras, 15 Alfarrobeiras e 20 Sobreiros. No entanto, trabalhava para o Senhor Venceslau Neto, dono de uma herdade com vários bovinos e porcos que pastavam livremente pelo montado. O Avô Humberto trabalhava, enquanto havia luz. As suas mãos e atenção, só se dedicavam ao que era seu, quando tinha a certeza que não havia mais labuta na Herdade do seu patrão.
O seu neto Ernesto, era um menino simpático. Tinha dez anos e preferia acompanhar o Avô Humberto, ao invés de ir para a escola ou com o pai para o stand de automóveis. De Junho a Agosto, não largava o seu avô. O miúdo era tagarela, curioso. Demasiado ingénuo, ao ponto de parecer imaturo. A sua mãe Maria, não o deixava sem comer. Assim, a criança era robusta e fazia-se respeitar perante as balanças. Apesar da robustez, enfim gordinho, avantajado, pronto... gordo... conservava uma energia muito particular, mas que ainda assim, não conseguia esgotar a paciência do Avô Humberto. Talvez porque Ernesto não era avesso, não destruía, não partia, raramente pregava um susto por uma queda. Um banana. Quando muito atrapalhava os trabalhos, pois perguntava tudo sobre tudo. O Avô só se irritava, quando a explicação lhe começava a exigir conhecimentos de física, química, matemática e astrofísica:

- Sei lá Ernesto! Guarda essa, junto das outras mil, para a tua Professora. Vai-me mas é buscar aquela enxada e aquela pá para ti. E ajuda aqui com este trabalho, para ver se a língua perde força.

- A língua tem muita força?

- A tua tem.

- Quanta?

- Olha a mesma que a tua miquelina da praça!

- ssssshhhhhiiiii, isso é muita força! - esticando a língua para a observar.

- Isto é pior do que eu pensava...

- A língua?

- Oh Ernesto... escava homem... escava!


Para o campo e para casa. Da casa, para o campo. Avô-ô? Porquê é que os porcos comem bolotas? Avô-ô, pode ser verdade que o Zé Miguel tenha uma vaca na banheira? Avô-ô, para que serve a cortiça? Avô-ô, levas-me ao baile mais logo à noite?

Nenhuma pergunta, ficava sem a devida resposta, dada num tom calmo como um sobreiro na planície. E lá mais para o fim, com a rusticidade de um alentejano. Muitas vezes lhe diziam "Beto, tem cá uma paciência". Respondia sempre com o mesmo chavão "o entusiasmo empurra-nos a curiosidade... e a língua.".




 E foi naquele Baile que Ernesto se enamorou. Já não era sem tempo, pensou o Avô Humberto, que entre uma cerveja e uma dança, não deixou de observar o queixo caído do seu roliço neto, de olhos fixados em Isabel. Uma catraia, que vivia na cidade de Faro. Segundo soube de boas famílias. O pai era Professor no liceu, tal como a mãe. Não estavam há muito na cidade, mas faziam-se respeitar pela sua competência e dedicação aos jovens. Eram de uma cidade da zona centro, mas a velhota que lhe contou já não se lembrava mais, pois o Padre pediu silêncio mesmo quando lhe contavam ao certo de que cidade provinham.  Tinha olhos verdes, cabelos louros ondulados, que lhe caiam pela face rosada e contrastavam com os lábios cheios de cor romã. Era franzina, educada e sempre com um sorriso de orelha a orelha. O Avô Humberto, só não esperava que Ernesto avançasse. O velho ainda olhou para o céu, à procura de um cúpido. O que é certo é que, "quem tem boca vai a roma" e na ingenuidade e boa fé, o roliço Ernesto até caiu em graça da rapariguita da mesma idade. Trocaram as moradas, naquela altura não havia cá telefones, muito menos sms´s. Foi da maneira que as festas de Agosto, empurraram Ernesto para cima dos livros. Passou a ler e a escrever melhor, pois agora trocava correspondência com Isabel. O Avô Humberto ainda participou nos primeiros rascunhos, depois Ernesto passou a escrever sozinho. Até porque, na primeira carta que escreveu a Isabel, sem outro par de olhos a lerem os seus sentimentos, arriscou um "És muito bonita. com saudades, Ernesto." Isabel sorriu, mas tentou moderar um pouco o ímpeto do gordito. Achava-lhe piada, mas o Nuno lá da escola fazia-lhe mais o género.
O miúdo compreendia que não vinham de lá as respostas que esperava, haviam sempre umas curvas que levavam as palavras para as intrigas de raparigas e bons desempenhos escolares. Ainda assim não recuava e mantinha a coragem de escrever palavras que substituíam "aconteça o que acontecer eu estou a teu lado, eu sei que sabes que gosto de ti, espero-te."

Com o passar do tempo, os sobreiros iam mostrando uma casca mais robusta e rugosa. Assim acontecia com a pele das mãos de Ernesto, que apesar de continuar a ler romances e a escrever a Isabel, escolhera os trabalhos de seu avô. Como aliás já era esperado. O seu corpo condizia com as suas mãos, musculado e alto, abandonara o miúdo tótó e roliço da infância. Trabalhava também para Venceslau Neto, com dedicação e prazer.  

Nove anos depois daquele baile a 22 de Agosto, Ernesto estava triste. O dia estava abrasador. O Avô Humberto perguntou-lhe:

- O que se passa meu rapaz?

- Não é nada avô.

- Queres responder-me, sinceramente?

- Vamos trabalhar avô, não é nada. Por qual sobreiro começamos?

- Diz-me tu. Os meus braços e as minhas pernas, não poderão virar estes montados para sempre.

Ernesto, lá escolheu um sombreiro. Com toda a força, cravou o machado na cortiça.

- Ernesto... essa machadada não foi para tirar cortiça. Quando muito, foi para derrubar o sobreiro. Vais falar ou vais derrubar o montado ao patrão? Sabes que os homens só falam, quando acham que isso pode ajudar em alguma coisa. Mas o silêncio, muitas vezes separa-os das pessoas e adia as soluções.

- É Isabel avô...

com um suspiro lá continuou:

- Vai para a Universidade em Lisboa, estudar Psicologia ou lá o que é.

- Hhhhmmmm. Já lhe pediste a morada nova?

-Oh Avô, vá lá. O problema não é esse. É que isto já não vai lá, só com cartas. Quero mais, quero namorá-la e casar com ela.

- Oh Ernesto... meu caro neto. Deixa-me agora ser o velho, uma vez que fui o miúdo teu amigo que precisas-te até hoje. Sensato é deixá-la, se quiser partir e depois voltar a ti, é porque é tua. Esquece-,  por agora.

- Mas avô. É ela que eu quero.

- Quererás uma mulher. Aí em São Brás há tantas e bonitas. Com os teus interesses, com o teu nível.

- Com o meu nível?! Oh avô! Nem parece seu.

- Só não te quero ver triste. E essa miúda sempre te quis como amigo.

- Mas Avô Humberto, as coisas mudaram um pouco. Estive com ela já este Junho e Julho.

- Tives-te?! Onde?!

- Nas festas de Estói e Moncarapacho.

- E não me convidas-te?!

- Oh Avô, estou a falar sério!

- Mas o que Isabel tem, que as outras não têm?!

- Leu Eça e Pessoa. Sabe contar a História de Portugal. Gosta de viajar, de ler. É romântica, lutadora, corajosa e convicta. Quer um mundo melhor. Fala de igualdade... é bonita.

Franzindo o sobreolho e agora mais preocupado, o avô interrompeu.

- Elah aí, Elah aí. Eu não ando aqui a ler. Já percebi tudo. Cuidado com essas miúdas ricas de atitudes extremadas. Vais parar à cadeia, sabes? Não deixes que a paixão te leve em loucura.

- Calma... calma... avô não é nada disso.

- Não é?

Ernesto falava agora com outro fulgor, libertou-se de correntes com este diálogo. O discurso tem destas coisa, de embalar o pensamento e o sonho.

- Vou pedi-la hoje à noite em casamento!

- Oh diabo... pirou mesmo... tem juízo! Diz-me só quanto tempo vais permanecer fechado no escuro, sozinho com o teu desgosto amoroso a beber copos de melancolia.

- Acha-me louco?

- Louco? Não. Mas é uma loucura! Onde é que queres chegar com isso? Queres trocar com ela o quê? rolhas de cortiça por livros e diplomas?

- Porque não? Quanto vale tudo o que me ensinou?

- Ooohhh Ernesto... - aqui o velho amigo resignou-se com a cabeça, os ombros e um suspiro de gratidão.

- Vou pedir.

- Mas Ernesto, não a peças em casamento.

 - Não! Tem razão isso é uma loucura.


E desatou a correr e a rodopiar em direcção à vila. Obrigado Avô, ainda disse, tenho uma excelente ideia!

Naquela noite, sem vento, parecendo que a lua continuava a fazer o trabalho do sol, queimando a pele e alimentando o desejo. Ernesto foi ao encontro de Isabel, como sempre de camisa branca, colete negro já maltratado, calças castanhas de fazenda e o mesmo par de botas negras. encontraram-se com um olhar cumplice, ninguém notou.  Puxou-a para fora da multidão. Ninguém notou ou não quis notar. Nestas ocasiões, cada um se liberta naquilo que procura. Correra,  de mãos entrelaçadas com um sorriso até ao átrio da igreja. Sentaram-se num banco de jardim pintado de verde.

- Porque me trouxes-te para aqui?! - perguntou Isabel.

- Preciso que me digas uma coisa.

- Sim?

- Amas-me? - Isabel, corou. Claro que as declarações de amor, em cartas de primavera perfumadas, deixariam de fazer sentido se respondesse que não. Ela amava-o, sim. Mas ia agora para Lisboa... sabe-se lá conhecer quem.

- Sim, Ernesto. Amo. - Apesar da pouca convicção... Ernesto arriscou a pergunta:

- Vamos os dois escrever um livro, um dia?

Os olhos de Isabel brilharam de alegria e de alívio também.

- Sim, parece-me bem. Sobre o quê?

- Queres viajar comigo até onde?

- Não sei Ernesto, até onde a vida nos levar. Não sei se juntos.

- Não sabes se juntos?

- Mas o livro será a nossa viagem. Vamos a Paris, a Londres. Vamos a Macau, a Tóquio, a São Tomé.

- Aceito.

- Vamos abrir uma livraria no regresso. Ter filhos. Liderar uma cidade. Mudar o mundo.

- Isso não me mete medo. Mas tenho de estudar também.

- Estudaremos juntos! Ajudarei no que for possível. Talvez o que sei destes pobres animais e destas lindas árvores te possa ajudar.

- Mas Isabel... agora quero-te fazer uma outra pergunta. - O tom da voz de Ernesto era agora mais grave. Recompôs-se. Deixou de lado o sonhador, o poeta e o romântico. Olhou-a nos olhos. E Isabel temia a pergunta a que não iria responder. Nem que sim, nem que não.

- Isabel... Enlouqueces comigo? A vida é uma loucura, tira-nos o conforto a toda a hora. Mesmo com trabalho árduo e honesto. Talvez aí, a vida ainda nos enlouqueça mais até. Enlouquece comigo aqui, junto do que sou. Junto destas árvores, desta serra linda. Parte, vai-te embora, não te quero ver mais. Não te quero mais. E vem para junto de mim, abraça-me, beija-me, deixa-me ter todo o teu corpo. Peço-te vem enlouquecer junto a mim. O que é a vida, senão uma loucura? Olha para aquele sobreiro, meio despido, daqui a dez anos, irá parecer outro. Tal como nós. Vem conquistar-me todos os dias, não desistas de mim. Fuma um cigarro comigo, depois de uma noite de amor. Lê-me poesia, depois de uns copos de embriaguez. Chora. Ri. Mas comigo. Não desistas dessa loucura de amar um camponês em Paris. Continuarei a cantar-te ao ouvido. O que é a música senão uma loucura ritmada, que nos faz sonhar poder ser louco. Assim como todos esses romances que lês. Terás a coragem de actuar, consoante essas palavras que defendes? Vem enlouquecer comigo e não ligar a ninguém, respeitando toda a gente. Vem ser diferente. Vem ter filhos e viver outra vez. Deixa-te ficar no campo, com esses estudos de cidade. A Natureza tem tanto para ti, tanto para nós. Deixa-te ficar neste Inferno. Deixa-te ficar neste paraíso. Nunca serás o que estudas-te, serás sempre de onde és. Vem enlouquecer comigo até ao fim da vida. 

- Enlouqueces-te...?       

 - Se te cantar agora uma serenata? Bem alto, até se ouvir em Faro. sou louco?

-és!

 - Mas arranco-te essa vida cá para fora. Deixo-te o coração num impasse, a face numa maçã e a tua boca naquele sorriso. Não seria isto, uma página de um teu livro? Vai então. Vai então enlouquecer com dinheiro e no espaço da tua casa grande, em que se perdem pessoas. Vai! E volta quando quiseres, mesmo depois de outro te ter ocultado. Volta se quiseres, quando descobrires que tudo o que tens não te satisfaz a existência. Quando um louco te fizer desviar e ninguém quiser ouvir tal loucura, vem ter comigo ao nosso abraço. Que mais queres? Filhos? Teremos dez. Não, dez é loucura, será mais sensanto apenas um. Será? Vamos tê-lo já! Não, para o ano. Adia um pouco mais se quiseres. Loucura é pensares que  tudo será, como os outros pensam que vai ser. Não vai. O que não é uma loucura? A felicidade é a loucura que quiserem. Qual é a pessoa que é feliz e não é louca? Estou louco? Então vem ficar comigo.


- Estás completamente louco...

   
   
Eu... eu vou contigo.

domingo, 18 de agosto de 2013

Ficus Thonningli - A árvore de Ludo




retirado de www.africamuseum.be

~
 
Os escritores não o seriam, sem as suas raízes. Já o tinha notado em José Saramago, nas suas "Pequenas memórias". Também Luís Sepúlveda, depende do que viveu na Patagónia. E Mia Couto, no seu Moçambique. Penso que outros exemplos poderemos encontrar, sem grande esforço.
Neste caso, o autor faz transparecer no romance "Teoria Geral do Esquecimento" a opinião, de que as árvores são os únicos seres, que acompanham as nossas histórias e que portanto as testemunham. Por pressuposto, as árvores, se falassem teriam tanto para nos contar. Teríamos tempo para as ouvir?
Por isto e porque adorei o romance, transcrevo aqui um excerto. Talvez um dia, cresça uma mulemba na nossa varanda.


 
"Luanda, 1975, véspera da independência. Uma mulher portuguesa, aterrorizada com a evolução dos acontecimentos, ergue uma parede separando o seu apartamento do resto do edifício - do resto do mundo. Durante quase trinta anos sobreviverá a custo, como uma náufraga numa ilha deserta, vendo, em redor, Luanda crescer, exultar, sofrer. Teoria Geral do Esquecimento é um romance sobre o medo do outro, o absurdo do racismo e da xenofobia, sobre o amor e a redenção."
 
"No pátio, onde surgiu a lagoa, existe uma árvore enorme. Descobri, consultando na biblioteca um livro sobre a flora angolana, que se trata de uma mulemba (Ficus thonningli). Em Angola, é considerada a árvore real, ou árvore da palavra, porque os sobas e os seus makotas se costumavam reunir à sombra delas para discutir os problemas da tribo. As ramadas mais altas quase alcançam o meu quarto.
 
Às vezes vejo um macaco passeando-se pelos ramos, lá no fundo, por entre a sombra e os pássaros. Deve ter pertencido a alguém, talvez tenha fugido, ou então o dono abandonou-o. Simpatizo com ele. É, como eu, um corpo estranho à cidade.
 
Um corpo estranho.
 
As crianças atiram-lhe pedras, as mulheres perseguem-no com paus. Gritam com ele. Insultam-no.
 
Dei-lhe um nome: Che Guevara, porque tem um olhar um pouco trocista, rebelde, uma altivez de rei que perdeu o reino e a coroa.
 
Uma vez encontrei-o no terraço a comer bananas. Não sei como faz para subir. Talvez saltando da mulemba para uma das janelas e de lá para o parapeito. Não me incomoda. As bananas e as romãs chegam para os dois - pelo menos por agora.
 
Gosto de abrir romãs, e de revolver entre os dedos o lume delas. Gosto inclusive a palavra romã, do brilho a manhã que nela existe."
 
in Teoria Geral do Esquecimento de José Eduardo Agualusa
 
 
 

sábado, 17 de agosto de 2013

Ceratonia siliqua, Alfarrobeira. A lenda dos três pães e mais alguns pontos.

A paisagem do barrocal mantinha-se dourada, devido ao mato rasteiro e seco. Mas reavivado pelo verde-escuro de figueiras, medronheiros, alfarrobeiras e sobreiros. Outros laivos de verde-claro pertenciam às ramas novas, disfarçando o calor seco, que se despiam ao sol com todo o fulgor da sua juventude. Também as oliveiras, com as suas folhas prateadas, davam cor à aspereza do calor. As águas moles e verdes-acastanhadas do Arade, que a muito custo ultrapassavam os seus meandros, contrastavam com ar seco que ardia na pele. As margens ficavam isoladas pelo verde das copas baixas, que desenhavam os contornos do rio. As águas só se agitaram, quando tiveram de reflectir o galope veloz do cavalo branco, guiado pelo seu cavaleiro berbere. Os seus olhos iam semicerrados, evitando o ar. A sua jilaba era da cor do castelo de As-shilbs, avermelhada como que desenterrada de um solo barrento e seca ao sol. O cavalo exibia sinais de esforço, mas o mouro pediu-lhe com o pequeno chicote, ainda mais velocidade. Dirigia-se para As-shilbs a fugir das imagens, que lhe franziam testa e lhe cerravam os olhos, as únicas partes que o seu turbante deixava a descoberto.




Aben Mafon, o rei da taifa de As-shilbs, estava no salão do axajaribe a tomar chá de menta. O palácio das varandas, recheado de janelas arqueadas, recortes floridos a decorar o tecto e metade superior das paredes, que deixam entrar a luz em poesia. Ignorava propositadamente o movimento da cidade, dona de vinte mil almas berberes, sempre com negócios apressados de agricultores e forasteiros. Estava imbuído na leitura de poesia de Al-Um'Tamid tentando esquecer as preocupações bélicas, que tanto detestava. Mas era uma condição incontornável, nem a obra Xelbs lhe afastava a razão, pois o avanço dos cristãos não se detinha. Fechou o livro suavemente, mas com a mente perturbada. Olhou um mapa estendido, desde a noite, na mesa redonda de cobre. Era duro reconhecer que devido a disputas, rivalidades e um racismo idiota entre irmãos muçulmanos cansaram-se, desperdiçaram-se, desligaram-se e enfraqueceram-se. Dividiram-se. Vulneráveis agora. A prosperidade é frágil, cresce com a sabedoria e definha com a vaidade e mesquinhez. Falhou. Falharam. Ouvidos surdos aos sábios, um erro aqui, um azar acolá e perdera-se o que se tinha conquistado até ao Tejo. O único conforto de Aben, estava agarrado à altivez dos despiques de poesia, arte e dança entre as diferentes taifas. Ao menos esses troféus de cultura ficarão. Pelo menos conseguiu que as armas se mantivessem embainhadas.
Pairou até à janela, na sua jilaba azul com trabalhos dourados, que o tornava mais alto ainda. Nem a luz clareava as sobrancelhas negras e grossas, ou suavizava o nariz rude e lábios escuros.
 Daquela mesma janela, viu chegar o cavaleiro de jilaba grená e turbante branco. A mando do árabe o cavalo deteve-se, inclinando-se para trás, ferrando os cascos na pedra escorregadia. A ansiedade e nervosismo, transmitia-se do homem para o cavalo como água de um jarro para o copo. Saiu a correr a escadaria em caracol, afastava todos com um encontrão para abrir caminho. Abriu a porta em arco do axajaribe e finalmente tinha à sua frente Aben. O rei conteve as expressões, a antecipação da realidade torna os homens mais calmos. Mas à sua frente Mohamad, na flor da juventude, tinha sangue para conquistar tudo até Coimbra. A derrota, não era uma possibilidade para ele. Porém para o Rei as prioridades eram outras:
- Salaam Aleikum.
- Alaikum as-salaam. Que te traz tão crispado Mohamad?
- Senhor, os cristãos tomaram o Castelo do Alvor.
- Vêm sozinhos?
- Não senhor, vi bandeiras inglesas também. São muitos homens. Entraram com violência, poucos terão conseguido escapar. O que fazemos Senhor?
- Resistiremos. Mas pouparei as vidas dos que me servem e a obra que juntos levantámos. Graças a Alá. Prepare a fuga Mohamad.
- Mas Senhor eu...
- Meu caro Mohamad, não iremos vencer desta vez... Não queira combater a vontade de Alá. Recuaremos. Só resta o nosso califado e o de Aljezur, estamos isolados. Os cristãos trazem o exército de D. Paio Peres Correia da Ordem de Santiago a mando de D. Afonso III, que vem desde o Uádi Ana  a conquistar todos os califados. Agora dizes-me, que a ele se juntaram cavaleiros ingleses. As forças estão demasiado desequilibradas. Conservemos a paz.
- Vamos fugir como cobardes Senhor?! Temos a protecção do Castelo, as nossas armas!
- Não, Mohamad! Não! Teremos de combater estas gentes, para encontrar uma brecha por onde possamos regressar a África. Estaremos unidos na protecção dos nossos. Meu caro Mohamad, quando me cumprimentas desejas que a paz esteja sobre mim. Eu devolvi-te o desejo de paz, literalmente. Não deixes que o significado das mais importantes palavras, se dilua na ecolália dos nossos dias. Nos próximos dias passaremos das palavras aos actos. Faremos a Paz... Faz o que te digo. Leva os prisioneiros para o barco, deixa-o no primeiro meandro a sul de As-Shilbs como que abandonado. Quando os cristãos estiverem às nossas portas, deixemo-los concentrados na guerra de muralha, para os caminhos se abrirem para o Arade através da Porta da Traição.
- Mas senhor, se me permite. Se combatermos...
- MOHAMAD! - o rei perdeu a paciência, mas logo recuperou o tom calmo. - Recordo-te o ano de 1189, em que o Rei Sancho I cercou a cidade em pleno Verão, tal como agora. Utilizou toda a raiva e ódio. O inferno esteve aqui, com todas as suas armas. Para quê?! A barbárie, não irá ter lugar aqui outra vez. Os danos serão os menores possíveis, graças a Alá.
O jovem embutiu-se, surpreendido com o tom áspero do rei Aben. Fez uma vénia e ausentou-se nunca virando costas.
Aben convocou os seus conselheiros e dirigentes militares. Nesta reunião foi bem aceite e compreendido por todos. Uma primeira resistência para preparar a fuga, ainda assim arriscada, através da porta da traição.
Após o plano estar traçado, Aben procurou as suas três filhas. Johara, Nur e Adeela. Johara era a mais velha e mais bonita, vestia normalmente o lilás. Acompanhava normalmente o seu pai, em passeios e nas leituras de poesia. Nur era uma alegre jovem, sempre vestida de branco e muito dedicada à botânica. Os jardins do palácio, tinham o seu toque e o seu perfume. Adeela era a mais nova, mas também a mais enérgica e decidida. Estava normalmente justiça e tinha uma profunda preocupação social e com o bem-estar dos cidadãos de Shilbs. Para o Rei Aben, era este o tesouro a defender. Encontrou-as uma a uma, pediu que se apresentassem no axajaribe. Com curtas palavras, mas sempre com a doçura de uma paternidade plena. O seu corpo falou muito mais às princesas. Perceberam os movimentos melancólicos de seu pai, uma melodia de movimentos de despedida. Sem atrasos nem desculpas, obedeceram ao Rei, ao seu pai, ao seu amigo e apresentaram-se imediatamente nos aposentos palacianos:
- Os cristãos aproximam-se. Estamos cercados, neste momento. As-Shilbs irá cair em breve, para o lado dos cruzados. Tentarei proteger a cidade e todos os que nela habitam. Daqui a duas noites, teremos lua cheia. Estarão as três, perto da cisterna debaixo da grande "árvore que nunca morre". Também eu estarei lá, para vos dar as últimas instruções. Que Alá nos proteja.
No castelo do Alvor, o tumulto já tinha passado. Um conjunto de prisioneiros berbéres, estavam sentados em círculo e acorrentados. Mantinham-se ao sol, apesar de feridos. O movimento dos soldados em folga, ignorava estes mouros. Dom Paio Peres Correia, cavaleiro da Ordem de Santiago, sabia que o Castelo do Alvor era apenas uma premonição. No entanto esta captura, foi fácil. Demasiado fácil. Não lhe foi necessário entrar à força, pela porta em cotovelo, a gritar e a arrancar cabeças. Apesar da conquista, não lhe fora permitida a exibição guerreira. Assim nem espanto, nem surpresa tinha causado ao seu ajudante de ordens Artur Fino. E realmente Artur Fino, que de Fino tinha pouco, pois era bem largo e constituído por uma exemplar camada lipídica em todo o seu perímetro, não se tinha inspirado desta vez. Normalmente as palavras das enormes conquistas de Paio Peres Correia, saíam da boca deste pobre. Mas como o vento, tinha e tem a capacidade de insuflar as palavras até aos ouvidos alheios. A Nobreza e o Clero, já imaginavam o baixo Dom Paio Peres Correia, um alto e esguio homem, de barba feita, de músculos exuberantes, com elevada destreza no manejo da espada que derrubava portas e eliminava num só golpe cinco mouros e mais um cavalo. Dizia-se que os Bárbaros, já tremiam só de ouvir o nome do cavaleiro que colecionava conquistas desde Beja, onde nasceu Al-Mutamid, até Ossónoba.
No entanto Artur Fino, apresentou-se ao seu senhor congratulando-o por tão grande vitória. Dom Paio Peres Correia, retirou e mantou um carrapato nascido e criado nas suas barbas, e mandou calar o gordo:
-Esteja calado! Prepare-me a armadura que amanhã rumaremos a Shilbs!
- Sim senhor! Irá derrubar aquela porta com um pontapé, liquidar seis mouros com o cotovelo e esmagar Aben num duelo em que vossa excelência perde a espada por um golpe traiçoeiro do Mouro, mas levanta-se num ápice, envolto em seu próprio corpo, salta mais alto que o Rei Mouro, caindo-lhe em cima e esmagando-o!
- Caiu-lhe em cima esmagando-o? Toma-me por uma besta?
- Não.... não ..... não.... vossa alteza... não.... esmaga, sufoca-o apertando-lhe o gasganete.
- hmmmmm sim.... o gasganete... apertando-lhe o gasganete parece-me bem.
- Sim.... sim... sim... senhor. Grande vitória! Até o Papa ficará com o queixo no chão, quando souber de tal feito em nome de Deus!
- É Artur. Tu compreendes a minha grandeza! - e esmaga outro carrapato entre o indicador e o polegar, este oriundo da zona das partes baixas que chegou por engano à superfície, por entre as articulações da armadura leve. e continuou - Dá ordem para reunir as tropas! Amanhã rumaremos a Shilbs!
E assim o pulguento exército, com militares nórdicos mas não mais asseados, seguiu na manhã seguinte para As-Shilbs. Demorariam dias a chegar, seguindo o Arade acima.
Na segunda noite, de lua cheia, as três irmãs lá se encontravam debaixo da Alfarrobeira, Johara, Nur e Adeela. O rei Aben foi o último a chegar:
-Minhas filhas, temo pela vossa vida. Os próximos dias, serão de violência e não tenho a certeza que vos possa proteger.
Adeela de pronto tentou demover o seu pai:
- Meu Rei, meu pai, nós estamos prontas.
Mas não encontrou no seu pai qualquer reacção. Nem sequer teve a certeza de que foi ouvida, mas não tentou insistir.
- Minhas filhas. Eu irei encantar-vos e permanecerão sem serem vistas, na cisterna que mata a sede a esta cidade.
- Eu prefiro acompanhar-te. - ripostou Johara.
- Não, Johara. Esta é a minha decisão. Quando for seguro alguém virá buscar-vos. Ajoelhem-se.
E assim fizeram as bonitas jovens. De seguida com o braço estendido, segurando um talego. Iniciou um canto, uns gestos, umas palavras que não se distinguiam ou uns sons que pareciam palavras. Á medida que o talego se enchia, as jovens iam desvanecendo como a cacimba em noite de verão. O rito cessou, com o Rei de joelhos, em lágrimas. Com o saco antes vazio, agora com três pães encostado ao peito.
Dom Paio Peres Correia, os cruzados ingleses, Artur Fino, soldadescos, cavalos, catapultas, pulgas e carrapatos chegaram às portas de As- Shilbs. E como outrora fez Sancho I, Dom Paio repetiu o cerco à cidade. Debaixo do Sol mais baixo de Setembro, Dom Paio acompanhado do seu ajudante de ordens, encarou pela única e ultima vez o Rei Aben Mafon a pedir a rendição da cidade. Que foi recusada pelo Árabe. Para regozijo de Dom Paio, agora sim se tornaria uma lenda!
Alá deve ter acertado uns pontos com Deus, pois tudo saiu relativamente bem dividido. O exército de do Rei Aben, conseguiu acender a batalha para junto da porta principal. O que facilitou a fuga do Rei e seus seguidores mais próximos. No entanto, Dom Paio deixou os ingleses fazerem má figura junto à muralha, tendo sido o batalhão britânico repelido pelas defesas Mouras. Contudo enfraqueceram os berberes, que já não conseguiram parar a entrada triunfal de Paio Peres Correia, no alto do seu cavalo, aproveitando a abertura da porta principal, entrou a debulhar mouros e mouriscos, que voaram cada um para seu lado. Com os aplausos excêntricos, do seu ajudante de armas na retaguarda. Uma vitória tremenda e com estilo! Pena que depois de se aposentarem, não fizeram grande utilização da zona de banhos do Palácio.
A fuga do Rei Aben fora um sucesso, mas alguns homens ficaram pelo caminho. Pois foram avistados por um grupo de arqueiros, que disferiram uma chuva de flechas e lanças sobre os fugitivos. No entanto a descida do Arade, decorreu sem incidentes e já velejavam para Sul em direcção a Ceuta. Um choro cruciante, vindo do porão, passou a embalar a embarcação quase substituindo o vento. Era Alberto um homem conhecido em As-Shilbs, acusado de espionagem. Era baixo, franzino e nunca teve cabelo. No entanto, tinha esposado uma moura, com quem teve duas filhas e que foram deixadas para trás.
O Rei Aben, mandou abrir o porão. Mandou subir Alberto. E disse-lhe:
- Porque choras dessa forma, meu pobre homem?
- Senhor, deixei a minha mulher e as minhas filhas em As-Shilbs. Sinto a sua falta. Fiquei como um deserto e nele irei morrer assim que pisar Ceuta.
- Isso se te libertar...
Mohamad, que também embarcou, quis intervir:
- Mas Vossa Alteza, esse homem traiu-nos.
- Traiu Mohamad? Pois foi. Fui eu que lhe decretei a pena. Não terei sido Mohamad?
- Desculpe Senhor. - e baixou a cabeça, a crista, a mania.
O Rei voltou-se novamente para Alberto:
- Queres ver de novo a tua mulher e tuas filhas?
- Sim, senhor! É o que mais quero.
Ordenou o Rei, que Alberto fosse lavado, tivesse uma refeição decente e se encaminhasse aos seus aposentos. Rapidamente. Assim se fez. Em poucos nós, Alberto estava lá. O Rei Aben Mafon estava vestido com uma jilaba grená, um turbante dourado a condizer com a mobília e decoração da sua sala. Os seus cabelos negros caiam, mesmo assim dramaticamente sobre os seus ombros, concedendo-lhe uma maior estatura e altivez. Alberto teve medo, talvez o rei o fosse matar, por pensar que ele próprio de alguma forma tivesse oferecido informações a Dom Paio Peres Correia. A seguir à esperança o fim. Alberto aceitaria. Mas não foi chamado à sua morte. Não desta vez:
- Alberto, vais-me agora ouvir com toda a atenção. Queres voltar a ver a tua família?
- Sim, Senhor. Muito. - e começou a balbuciar.
- Alberto, calma. Quererás ser rico?
- Oh Senhor... de momento só quero as minhas filhas.
- Mas com a tua família. Desejas ser rico?
- Pois Senhor, sim.
- Então não duvides do que te ordeno. Vou entregar-te este saco com três pães. Não o abandonarás. Não o comerás. Ñão os vais oferecer a ninguém. Deves guardá-los como à tua família. Chegando a Ceuta, dormirás no Porto. Um Pavão se irá aproximar de ti, não o afugentes. Alimenta-o e toca-o. Quando o tocares irás adormecer e acordar em As-Shilbs. Regressa à tua casa, goza a tua família, protege os pães. Na próxima noite de lua cheia, apressa-te até à alfarrobeira junto à cisterna do castelo. Chama o nome das minhas filhas Johara, Nur e Adeela. Entre cada nome, atira um pão para a cisterna. De lá sairá a voar um melro-metálico-de-cauda-comprida, será uma das minhas filhas a vir ao meu encontro. Se conseguires este feito, serás um homem rico e feliz. Caso contrário a má sorte e a pobreza irão acompanhar-te até ao fim da vida.
- Assim o farei meu Senhor.
A viagem decorreu sem sobressaltos. A tripulação chegou, o rei foi recebido e encaminhado para o palácio real. Os restantes tripulantes difundiram-se nas cores, movimentos e cheiros próprios de um porto concorrido como o de Ceuta. Só Alberto, com a saca de pão às costas, se deteve olhando em volta procurando um esconderijo. Só não queria ser visto, para evitar problemas. A Liberdade veio ter com ele assim, quando estava mais perto da sede no deserto. Queria aproveitar.
Tal como Aben Mafon lhe disse, surgiu de não se sabe de onde,  um pavão lindo com o azul metálico que se conhece exaltado pelo grande luar. Deu-lhe um pouco de milho, mais uns farrapos de alfarroba, desenhando um rastilho até ao seu corpo. Tocou a ave, sentiu fazer uma festa sobre seda. Os dedos entorpeceram, o braço encortiçou-se até ao cotovelo, o braço inchou e tornou-se leve. Depois o tronco desmaiou, para a frente e só parou nos joelhos. As pernas flutuaram e os olhos encerraram-se. Os olhos do Rei Aben, a humidade do porão e a face desdentada de um amigo de cela. Um reflexo na água da sua esposa, as suas filhas penduradas de cabeça para baixo num ramo forte de alfarrobeira. Um aroma intenso a alfarroba, a pele quente do sol, sentiu a mão esquerda mergulhada na água. Acordou junto à margem do Arade, justamente de onde partiu o barco. O talego com os três pães, estava sobre o seu peito. Experimentou alguns movimentos, para ter a certeza de que era ele no mesmo mundo. A força da gravidade era a mesma, assim como o seu corpo cujas articulações já davam sinais de alguma idade e trabalho duro. Aquele cheiro a alfarroba, aquela sombra. Sentou-se ainda com as pernas esticadas, ficou sobre os punhos na terra molhada. Lá à frente as muralhas de Silves. A cidade permanecia movimentada, talvez Dom Paio Peres Correia tenha poupado a futura capital do Reino dos Algarves rendido à sua beleza. Levantou-se, a pé dirigiu-se a sua casa fora da muralha. Abriu a porta, a sua mulher de avental branco à cintura deixou cair um prato de barro:
- Alberto! Alberto! - Precipitando-se no abraço de saudade e angústia.
- Regressei mulher! Regressei livre!
E choraram os dois abraçados. Momentos depois juntaram-se as suas duas filhas, num amplexo a quatro, carregado com o peso da ausência. Uma refeição mais generosa, do que as de dias quotidianas, invadiu a mesa. Antes disso, Alberto subiu ao sótão escuro e cheio de pó. A luz que entrava, aproveitava defeitos nas telhas. O pó dançava, nesses raios de luz escassos. Uma antiga arca, foi o local eleito para deixar o Talego. Mas o saco, não passou despercebido à sua mulher. Entre emoções e carícias, uma esposa faz automaticamente uma avaliação selectiva do antes e do depois. Estava mais magro, pudera com aqueles meses na prisão. Também se apresentava mais preocupado e silencioso. Trazia um saco, apenas um saco e não disse o que era... ainda assim esperava-o em pior estado.
Mas o saco não lhe saiu da cabeça. Durante a refeição perguntou:
- Oh homem, o que trazias naquele saco?
- Nada de especial. Esqueçam-no...
E assim deixou a semente da curiosidade. Uma Dona de casa, não ignora o que tem em casa. Material ou espiritual, nada passa ao lado da gestão de uma mulher prendada. Quando o seu marido se retirou, para finalmente descansar após tantos meses de injustiça e desconforto, a mulher subiu ao sótão, procurou o saco debaixo de uma cadeira já partida, debaixo de uns lençóis velhos e cheios de pó, restando apenas a arca. Abriu-a, apanhou o saco. Pão? Quem traria apenas pão, depois de tantos meses de ausência. O que estaria dentro do pão? Com um canivete que sempre a acompanhava, cortou um dos pães. Logo ouviu um grito, seguido de um gemido. Largou o pão, deixando-o cair para dentro da arca. Devolveu-o ao saco e desceu escadaria abaixo assustada, mas rápido controlo o nervosismo que o seu corpo espelhava.
Noite de lua cheia. Alberto quis cumprir, o acordado com o Rei que já não era o seu. Colocou o saco às costas e lá foi muralha adentro. Passando a porta, virou à esquerda em direcção da cisterna. Logo avistou a grande Alfarrobeira. Sentou-se junto à abertura e fez o que Aben lhe tinha ordenado.
Retirou um pão do saco e atirou-a para o interior da cisterna, gritando: Johara! Pouco depois ouviu o esvoaçar de um passáro. Espreitou inclinando o tronco para tentar ver alguma coisa. Depois de um momento de silêncio, um melro metalizado numa mistura de azul esverdeado, rasou-lhe os olhos num voo veloz desapareceu em direcção à Lua. Seguidamente lançou outro pão e gritou: Nur! De seguida outro melro voo da cisterna em direcção a sul. Já com um sorriso aberto, lançou o terceiro pão e gritou: Adeela! Mas nada aconteceu. Voltou a gritar: Adeela! Adeela! De súbito ouviu uma jovem a chorar e um melro sem a asa direita que assim não conseguia voltar para junto do Rei Aben Mafon.
Daí em diante tudo o que Alberto tocava adoecia, partia, morria, secava. Não havia cultura que crescesse, caça que não fugisse, animais que não adoecessem. Assim viveu almadiçoado, devido à curiosidade alheia.
Há quem diga que Adeela, ainda chora nas noites de lua cheia debaixo daquela Alfarrobeira, esperando alguém que a leve para o seu lugar.


































sábado, 3 de agosto de 2013

Pistacia Lentiscus



Reino: Plantae
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Magnoliopsida
Subclasse: Rosidae
Ordem: Sapindales
Família: Anacardiaceae
Género: Pistacia
Espécie: Pistacia Lentiscus
Nome comum: Lentisco



A 1 de Agosto de 2013
Estava à venda num hipermercado por 5€99. Olhei para a árvore, que tinha um saco de pistachios amarrado ao tronco, remexi o solo à procura de raízes. O solo era turfa, as raízes escassas e os ramos tinham folhas a cair. No entanto as folhas que permaneciam, pareciam viçosas. Decidi que era um preço exagerado. Deixei lá a árvore.

Na semana seguinte, ao passar pelo mesmo hiper, pois precisava de legumes para a sopa, a pistacia estava a 1€99. Por este preço... vale a pena arriscar. Está a precisar de uma poda, mas prefiro que primeiro se ambiente à varanda, recupere alguma força e depois receber uma primeira poda. Gostaria de mudar o solo o mais brevemente possível.


Juniperus squamata

Reino: Plantae
Divisão: Pinophyta
Classe: Pinopsida
Ordem: Pinales
Família: Cupressaceae
Género: Juniperus L.
Espécie: Juniperus Squamata


Obrigado Nuno Silvestre.

Em Setembro, logo me dizes o que é que eu posso fazer com este Juniperus. Porque só lhe retirei o arame e teho receio de o estragar. Coisas de aprendiz.